Eu queria explicar isso de um jeito fácil, talvez esbarre em direitos autorais. Mas o que não esbarra hoje em dia?
Vamos imaginar que Pernalonga seja uma religião. Na verdade, Pernalonga é o herói de uma religião, o rei, o mártir, o Deus de uma religião com seu nome. A religião Pernalonga.
O Herói

Na religião Pernalonga, seu dono, esse coelho com cara de muitos amigos e de comportamento duvidoso está sempre certo.
Ele está sempre certo, porque ele é o protagonista. Tudo acontece em torno dele, para ele e em seu favor. Inclusive poderíamos dizer que ele é o Todo Poderoso.
Ninguém consegue superá-lo, porque ele é tudo de bom que se pode imaginar.
Já tentaram prendê-lo, matá-lo, vencê-lo em uma partida de basquete, cozinhá-lo em uma sopa gigante, até enganá-lo para que se colocasse em perigo durante uma temporada de caça ao coelho.
Como todo bom protagonista, ele precisa de um opositor. Seu antagonista é um pato.
Por quê? Como um pato tem rusgas com um coelho? Não sei. Só sei que é assim.
O Vilão

O vilão — nem sempre, mas muitas vezes — é o Patolino.
A função do Patolino é não ser o Pernalonga.
O que o Pernalonga faz, ele faz diferente. Se Pernalonga tem medo, Patolino é corajoso… e leva um tiro na cara. Se Pernalonga está com coragem, Patolino tem medo… e perde uma corrida, uma aposta, um prêmio importante.
Se Pernalonga é feliz e alegre, Patolino é mal-humorado, irritado, brabo, chato. Patolino não tem amigos, não quer ter amigos. Patolino quer puxar briga, quer ser o que o Pernalonga não é porque, no fundo, quer ser o que Pernalonga é… Se isso faz sentido.
Essa é a dinâmica de uma religião Pernalonga.
Qual a vantagem dessa religião? Por que alguém criaria uma religião dessas?
Fácil! A função dela é descrever o comportamento certo e o comportamento errado. Basta olhar para o coelho Pernalonga para saber como se comportar. É preciso levar a vida numa boa, ser educado com as pessoas, sorrir. É preciso querer viver a vida em paz e tudo vai ser ajeitar em torno da gente.
É uma ótima religião.
Mas não é a única.
A religião Ducktales
Imaginemos agora uma religião Ducktales.
Eu sei, já pedi demais para vocês imaginarem uma religião Pernalonga. Uma religião Ducktales é muito mais confusa. Mas vamos lá.

Uma religião Ducktales é uma bagunça.
É feita de muitos patos. Cada pato é diferente do outro. Mas todos são patos.
Tem pato rico, pato pobre.
Tem pato baixo, pato alto.
Tem pato corajoso, pato medroso.
Todo pato tem seu lugar na religião Ducktales.
Representações

A religião Ducktales não representa o certo e o errado, ela representa as múltiplas formas que a vida pode ter.
Dentro da religião Ducktales, fica claro que alguns comportamentos funcionam juntos e outros não. Nem todo mundo se dá bem. Nem todo mundo concorda. Mas parte do propósito da religião é encontrar um jeito de viver juntos.
Os problemas que ocorrem dentro da religião Ducktales são todos solucionáveis. Quando não podem ser solucionados, são contornados.
Pernalonga encontra Ducktales
Quando alguém da religião Pernalonga encontra alguém da religião Ducktales, só consegue ver patos.

Não interessa que não sejam Patolinos. São patos, não coelhos.
Patos.
Não são patos grandes ou pequenos.
Não são patos altos ou patos magros.
Não são patos corajosos ou medrosos.
São só o oposto de coelhos, porque é assim que as pessoas da religião Pernalonga aprenderam a ver o mundo. Coelhos e Patos.
A culpa não é de quem ACREDITA na religião Pernalonga.
A culpa é de quem INVENTOU a religião Pernalonga.


Porque quem INVENTOU a religião Pernalonga disse que pato é o oposto de coelho.
Monoteísmo e Politeísmo
Ok. Já dá para entender que eu não estou falando de desenho animado, certo?
Se uma religião é planejada para se opor à outra, ela sempre vai enxergar os símbolos da outra religião como sendo “inimigos”.
Seja o símbolo um rosto com nariz adunco, uma mulher idosa, a pele escura.
O chifre, o tridente, o berrante feito do corno de bezerro.
A felicidade, a falta de vergonha, a música alta.
Você e eu.
Shbaa.

