Ou: Se for ser trevoso, seja trevoso direito.

Quando falamos no tópico da demonologia, falamos de algo envolto em engrandecimentos e mistificações.
O que não surpreende. Assim como quase todo “negócio furado” a demonologia é cheia de charlatões, manipuladores e espertinhos – e não só do lado de cá da existência.
Tirando as mistificações, contudo, o que sobra? Vamos explorar um pouco.

O Abismo
A primeira coisa que temos que esclarecer é que daemons e demônios não vem do inferno cristão.
Já existiam muito antes do cristianismo, e diversas culturas em diversos pontos diferentes do mundo falam de um local terrível, onde os maus são punidos por seres ainda mais maus do que eles
À primeira vista, claro.
Em um estudo minimamente mais aprofundado, descobrimos que os demônios, asuras, deuses maus e todo tipo de ser considerado perigoso e destrutivo na realidade tem seu lugar no mundo.
Em culturas como a hindu e em sistemas como o budismo esotérico, vemos descrições detalhadas desses seres, e como não devem ser tratados com despeito ou se batalhar contra eles de maneira leviana.
Até mesmo em grimórios medievais, é sempre a força de um ser celestial que tem capacidade de lidar com os demônios – que são mais fortes que o ser humano, mais espertos, mais inteligentes e melhor conhecedores das leis divinas e da própria natureza de deus.

Esse e outros pontos se explicam a partir do entendimento da natureza do que é um demônio ou daemon, e da quebra das ilusões e obscurantismos por detrás desse estado de ser. Isso se relaciona ao seu plano ou mundo de existência – uma espécie de universo paralelo ao nosso, ao qual chamei “Abismo”.
O que é esse mundo e qual a importância dele?
Bem, o Abismo é basicamente o lugar de onde vem e para onde voltará tudo que circula no nosso mundo.
Vamos entender isso melhor.

A Natureza do Mundo Material
Matéria e energia, átomos e quarks, glúons e campos gravitacionais. Todas nomenclaturas para tentar descrever a mesma coisa: A existência de um aglomerado de pequenos fragmentos de “realidade física”.
Mas, de onde eles vêm?
A ciência, em nosso tempo, se arroga grandiosa e toda-sabedora. Mas pelos próprios limites do método científico, que é incapaz de extrapolar a observação física direta e a experimentação, é impossível que chegue a uma resposta.
Saiamos das eternas desculpas e dispersões usadas pela egregora científica. Tudo que existe no universo, toda matéria e energia, só pode ter surgido a partir do Nada.
Do Vazio. Do Vácuo Absoluto.
Existe, claro, a fantasia de que pode também “sempre ter existido”, ou que a resposta pode ser outra, “mais fantástica ainda”.
Mas a conclusão lógica mais simples a que podemos chegar, ao tomar a simples premissa de que “tem de ter vindo de algum lugar”, é que o único lugar que pode gerar nova matéria e energia em um universo fechado é o Vazio.
No budismo, há uma famosa frase “todos os fenômenos são vazios na essência de sua natureza”. No daoísmo, falamos da “vacuidade”. Em vários sistemas de magia, falamos ainda dos estados de transe onde “não há nada”.
E desse nada, surge algo.

É especialmente difícil trazer essa ideia perante uma egregora científica, pois a mesma se apoia com enorme força de vontade nas Leis da Termodinâmica, que afirmam que “nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. São uma negação da Criação, do potencial de Fazer Surgir do Nada, e são uma praga.
Bem, estabelecida a ideia de que Tudo veio do Nada, é daqui que compreendemos o Vazio.
Nosso mundo material vem do Vazio. Vem do Nada. Isso não ocorre em todos os mundos do universo, e há locais que vem diretamente de certos outros deuses.
Mas o Vazio é, em si, uma divindade. E é essa a divindade-avó do nosso universo material.
Seu nome, em homenagem a egregora judaica que muito adequadamente e fortemente explorou o Vazio, diremos ser Sita Arthra.
Essa divindade, é claro, não é a criadora da Matéria e da Energia. Por isso é a divindade-avó, e não divindade-mãe.
A divindade-mãe do nosso Universo físico, essa não convém nomear agora.
Afinal, estamos falando da avó, e não da mãe.

O Abismo (2)
Dessa divindade-avó, aquela que Cria a Vacuidade, surge a possibilidade da Manifestação dos seres – cada menor partícula de matéria ou energia é nada mais que uma parte de um ser outro (seja divindade ou mortal), que é envolvido pelo Vazio e ali encontra seu lugar.
Antes de sermos encarnados, fomos todos espíritos. Seres que vivem no Plano Astral, um “pequeno mundo” entre a Terra e os Abismos. Antes de sermos espíritos, fomos todos demônios.
E vivemos em mundos diversos que são maiores, muito maiores, do que nosso Universo Físico.
Onde as Leis Naturais não são as mesmas daqui, e onde há experiências tão físicas e materiais quanto temos aqui, como também experiências menos físicas e materiais.
O Abismo é esse outro universo. Nele há mundos maravilhosos, onde, por exemplo, há tudo que temos aqui no nosso mundo – mas onde haveria doença, há Vazio. Onde haveria miséria, há Vazio. E assim em diante.

Há ainda mundos muito pequenos – minúsculos em verdade – que se prestam a ser, por exemplo, as peças expulsas do nosso mundo físico de antigos campos de batalha. Por motivos diversos, jogadas fora da Terra e de volta aos mundos de Vazio.
Há locais verdadeiramente infernais. Onde não existe Misericórdia ou Felicidade. Onde não existe Amor. Onde não existe Companheirismo ou Empatia.
Há locais onde não há Tempo. Há locais onde não há Espaço.
E quão mais fundo se adentra o Abismo, mais os Mundos que o compreendem são repletos da deusa – mais repletos de Vazio.
Dito isso, e os demônios?

Demônios, Daemons e Deuses Demonizados
Um grande mal da rebeldia sem causa é a generalização. Sim, existem deuses antigos que “viraram demônios”. Sim, existem “anjos” que “caíram” e se tornaram demônios. Sim, existem seres primordiais cuja sabedoria é infinita, e que são ótimos guias para a vida. E sim, existem simples espíritos que caem do Plano Astral dentro dos Abismos.
É aqui que precisamos tomar muito cuidado.
A demonização não é algo difícil de ocorrer.
Assim como a desdemonização também não.
É perfeitamente possível termos um Corpo Abissal (ou vários), da mesma forma que, enquanto seres humanos, temos Corpos Astrais.
A maior parte dos que estão nesse planeta a mais de dois ou três mil anos os tem, diga-se de passagem, e alguns os chamam de “Eu Inferior”.
Claro que, infelizmente, esse conceito também foi deturpado. Pois o Eu Inferior, mais das vezes, é necessário – se não imprescindível – a uma vida minimamente saudável.

Mas sigamos adiante. Como eu dizia – a demonização não é particularmente difícil de ser obtida. E também não é exclusiva. É perfeitamente possível se ter e/ou ter diversos corpos demoníacos ao mesmo tempo em que se habita o Plano Astral ou mesmo o Plano Físico.
Mas e então…. o que acontece quando usamos um sistema de demonologia, como a goécia ou o grimorium verum?

O Invocador faz Toda Diferença
Não é sem motivo que os grimórios são lotados de rituais. A maioria de purificação e elevação espiritual.
O principal motivo não é a dificuldade de se chegar ao Abismo mas, acima de tudo, a facilidade de se contatar os seres e forças abissais.
Afinal, se a maior parte dos meros mortais e espíritos que estão neste mundo a um ou dois milênios possuem contrapartes demoníacas, que o dizer de plantas, pedras ou formações rochosas?
Que o dizer de seres elementais sencientes e muito mais capazes que a simplista visão européia medieval dá a entender?
O Abismo é de fácil acesso. E não se faz guerra nesse mundo, não se comete abuso, não se ignora aspectos da realidade para construir utopias ou se cai em insanidade, sem que se tenha, dentro de si, Abismo e Vazio onde normalmente haveria elementos da Matéria que impediriam que isso ocorresse.
Acima de tudo, o mundo físico possui suas próprias forças e fluxos, especialmente aqueles relacionados à sobrevivência. Mas para quase qualquer outra coisa – incluindo-se vivenciar um caminho religioso – é necessário se obter forças e energias de outros reinos da Criação.

E, em nosso mundo, todas elas têm de passar primeiro pelo Abismo, para então chegar a Terra.
Mais do que isso ainda, toda espécie de ação própria, não movida unicamente pelo reflexo, parte do Abismo – cuja bênção para todos os seres é chamada Ousadia.
Isso pois a capacidade de se reconhecer a si mesmo como separado do mundo, assim como de agir fora dos simples impulsos que o meio transmite, necessita de Vazio para se manifestar.
Nesse contexto, os rituais, purificações e preparações que se deve passar para acessar o Abismo e se conversar com os Daemons, de preferência tendo ao próprio lado o Anjo Guardião ou a presença de uma Divindade, tem a ver com a qualidade do ser invocado – e não com o sucesso da invocação ou não.

Demônios, Daemons e Daemons Originais
Nesse quesito, nos resta então falar do aspecto da qualidade. É um pouco ofensivo a muitos seres demoníacos que se os classifique, sendo reles humano, mas basta estabelecermos quatro grande classificações para os seres abissais, e a maioria não se importará.
Há os Sofredores. Há os Demônios. Há os Daemons. E há os Daemons Originais.
Entendamos.

Sofredores
São os típicos “maus que merecem o inferno” da maior parte das mitologias. Seres que demonizaram o suficiente para caírem no Abismo, mas que ainda estão repletos demais da “completude” Astral ou Terrena para terem verdadeira Ousadia, compreenderem instintivamente as Leis do Abismo onde estão e terem qualquer sucesso.
Normalmente só fazem gritar e lamentar, especialmente quando caem de algum lugar sombrio do Plano Astral para o Abismo, e especialmente se eram obsessores “de renome”.
Demônios
São seres que já assumiram a própria Ousadia, mas permanecem ainda apegados e presos aos conceitos de outros mundos. Não compreendem bem as leis dos mundos abissais, e se conseguem domínio de um ou outro pequeno mundo abissal, já se chamam Reis ou Maiorais.
Às vezes conseguem vir ao Plano Físico, e se mostram como Kiumbas especialmente “poderosos”. Até mexerem com a pessoa errada, terem seus Reinos tomados, poderes dissolvidos, Tronos quebrados e chifres devorados.

Daemons
Seres que possuem relativa Maestria dos mundos abissais. Existem diversos mas, via de regra, refinaram a si mesmos o suficiente para que não sejam tomados pelo “vício” que os caracteriza.
Assim, são seres que dominam forças abissais, mas não as têm em si. Onde haveria essas forças em sua constituição, há, ao invés, Vazio.
Então, enquanto um Sofredor fica à mercê dos demais em mundos abissais de ganância, por exemplo, um demônio Ousaria usar todos os meios possíveis para obter a satisfação de sua ganância.
Um Daemon, por sua vez, não seria afetado. Qualquer força ou subterfúgio que se utilize da força abissal da ganância (que parte de um deus abissal, diga-se de passagem…) passaria por um Daemon com maestria nessa força sem o afetar.
No máximo, lhe daria um pouco de energia, ânimo e bem estar para aproveitar seu chá da tarde.

Daemons Originais
Um Daemon Original é, via de regra, semelhante a um Daemon regular. Mas um que trabalha em si não a maestria das forças e potências vindas dos Deuses Abissais (manifestações do divino no abismo), mas sim da própria Mãe do Vazio.
Um Daemon Original não necessariamente será mais capaz ou potente que um Daemon na manipulação de uma determinada força, mas terá em si a Maestria na manipulação do próprio Vazio.
São seres que respeitam imensamente os limites entre o Abismo e a Terra, e de grande valia para exorcismos e lide com demônios (e as vezes Daemons menos resolvidos no próprio interior).

Isso é
Em suma, além de todos os Títulos, Postos e Grandezas. Além de toda forma de engrandecimento, o que mais importa no trabalho com seres abissais é que não se quer chamar qualquer um.
Um demônio típico não só não obedecerá ao mago, mesmo que seja um mago de poder considerável e boa índole perante o divino, como ainda lhe trará todo tipo de dificuldade e emburrecimento, obscurantismo e manipulação das percepções e pensamento – tudo para construir um pequeno pedaço de reino infernal na Terra, onde pode se esbaldar em seu próprio vício.
E não adianta “confiar no próprio taco” nessa hora. Pois um ser Abissal sempre pode retornar ao seu próprio Trono de Poder no abismo depois de ser banido, e meramente esperar a hora certa de agir.
Uma doença, um vício, uma dificuldade terrena qualquer, e ele estará lá, pronto para escravizar o mago que o chamou.
Ao invés, a pureza e o contato com o divino servem ao mago para que o mesmo tenha contato com, no mínimo, Daemons.
Preferencialmente, ainda, Daemons que sirvam à divindade que o mago cultua. Afinal, não são só “deuses antigos” que possuem faces abissais…

Os Deuses Daqui Também Estão Lá
Hekate. Existe na Terra e no Abismo.
El Shaday. Existe na Terra e no Abismo.
Elohim. Existe na Terra e no Abismo.
Jeová. É um deus Abissal (sua face na Terra não é chamada a muito tempo).
Oxalá. Existe na Terra e no Abismo.
Yemanjá, Oxum e Nanã. Existem na Terra e no Abismo.
Èsú. Existe na Terra e no Abismo.
Shiva. Existe na Terra e no Abismo (tanto como Rudra como outras faces).
O Buddha Amitabha (que é o Avatar de uma divindade). Existe na Terra e no Abismo.
E assim em diante.
Não é necessário ser um “deus antigo cujo culto foi destruído pelo cristianismo” para se estar no Abismo. “Deuses” que dependem do culto dos mortais para existir tem nome – Tulpas e Vampiros Astrais.
Um deus não depende dos mortais para existir, mas muitas vezes deixa de se manifestar perante os mortais pelo simples fato de que os mesmos esquecem seu nome. E isso, à divindade, não importa.
De qualquer maneira, quando buscamos os Abismos, e quando buscamos o trabalho com os Abismos, devemos estar o mais o possível próximos da Divindade para termos sucesso.
Isso pois objetivamos receber não “só” a proteção e capacidade de comandar os Daemons chamados mas, e acima de tudo, chamar um Daemon que sirva à face abissal da divindade que temos conosco durante o ritual.
Facilita muito as coisas.

Finalização
O Abismo é o mundo dos fenômenos, da ousadia e do Vazio. Nosso Mundo Físico surge dele, pois é assim que se manifestou nosso Planeta enquanto uma inteligência. Primeiro a partir do Vazio, depois no Físico.
Tudo que aqui está se suporta lá. E boa parte dos erros, enganos e problemas que temos tem a ver com a presença do Plano Astral e o fato de que, de alguns milhares de anos para cá, tivemos uma enorme proliferação de Demônios, com cada vez menos Daemons.
Não há problemas se ter um Eu Inferior ou Corpo Sutil no Vazio, mas podem haver problemas de esse corpo estar no estado de Sofrimento ou de Demônio.
Não há problemas se contatar e trabalhar com Daemons, se for algo feito da maneira correta. E mesmo as forças abissais mais ínferas, se sob o controle de uma divindade benévola, “constroem templos” ao invés de fundar pseudo-terreiros mequetrefes onde o “Maioral” é chefe dos infernos mas não cura um resfriado.
Quem quiser ser malvado, que pelo menos seja malvado de respeito. Faça favor.
9 Comentários
texto maravilhoso, concorda com muita coisa que eu acredito, como por exemplo, Deus mesmo antecede a unidade sendo o zero, enquanto que o Um (o universo, o deus que a maioria das pessoas e religiões se refere) é o demiurgo
uma pena que esse blog esteja morrendo
sinto muita falta das datas mensais, especialmente das janelas herméticas
Quem está morrendo é você, o blog continua vivo.
Não está morto quem pode para sempre dormir. Em tempos estranhos até a morte pode morrer!
O que seria essa Ousadia ?
A força/energia do Divino Interior, se manifestando no interior do Abismo e em meio ao Vazio, e nele fazendo morada. Um impulso que requer o Nada, que surge espontâneo. A ação que não é reação. Isso é a Ousadia.
Existe algo “público” voltado pra organização e energização dos corpos abissais?
algo como as terapias new age que organizam os corpos astrais.
Por enquanto desconheço. Mas há planos de que eu ofereça algo similar no futuro. Quando for a hora, faço uma chamada na página do platinorum no facebook.
Seres da fraternidade branca possuem faces no abismo?
Por exemplo, acessar e conversar com El Morya porém no seu aspecto abissal.
Sim. São um porre. Especialmente os que mexem com política e corrupção.