Vamos falar de Quimbanda – Parte 2.

Vamos continuar nossa série de textos sobre Quimbanda, anteriormente vimos um pouco da minha história e vivência neste sistema de magia, agora vamos analisar uma das maiores injustiças cometidas no cenário nacional: dizer que as entidades de Quimbanda são os mesmos daemons da Goécia. Primeiramente temos de buscar um autor, Aloísio Fontenelle, que em seu livro EXU afirma que os Exus de Quimbanda são os mesmos demônios presentes no Grimorium Verum, trazendo por exemplo:

Clistheret como Exu Tronqueira.

Ségal como Exu Gira Mundo.

Frucissière como Exu dos Cemitérios.

Guland como Exu Morcergo .

Aschtaroth como Exu Rei das Sete Encruzilhadas.

A princípio o autor possui experiência em demonologia e Quimbanda, porém sua comparação esbarra em alguns problemas, sendo o principal: Exus são, em sua maioria, desencarnados, mortos, e os demônios não. Demônios, ou daemons, possuem diferentes explicações:  

Deuses antigos demonizados pelos hebreus e posteriormente pelos cristãos em seus grimórios medievais, talvez o caso mais famoso seja da Deusa Astarte tranformada em Ataroth.

Inteligências, ou consciências, da natureza divina, personificados pelo magista na forma de daemons. Assim, por esse paradigma, quando evocamos Asmodeus, por exemplo, estamos personificando a luxúria e violência na forma de um “demônio”.

Aspectos da psique humana. Seguindo este paradigma os daemons nada mais são do que “partes do cérebro”, ou partes do subconsciente humano. Sendo assim, quando evocamos Bune, estamos evocando e personificando uma parte de nossa sombra, no caso uma relacionada à aquisição material.

Servidores que devido sua mitologia, e por terem sido cópias em cima de cópias atingiram o estado de Forma-Deus, sendo que suas habilidades são reforçadas pelo medo religioso dos seus criadores e posteriormente pelo medo dos que se arriscaram chamá-los.

De qualquer forma, os demônios não são seres que viveram, não possuíram uma encarnação na terra. Isso tem de ficar claro! Em sua maioria os daemons possuem seus mitos, e muitos são difíceis de rastrear, afinal deuses de uma cultura vão sendo absorvidos por outras, e alguns não continuam sendo deuses. Mas eles NÃO possuíram encarnação, eles não viveram sobre a Terra. E esse é o principal fato que vai diferenciar nossos objetos de estudo.

E os Exus?

Exus e Pombo Giras possuem uma história de vida, uma encarnação na terra. Foram homens e mulheres que viveram encarnações, são Eguns, no sentido mais amplo da palavra. Pode-se dizer que as entidades de Quimbanda foram: magos, feiticeiros, alquimistas, guerreiros, ladrões, alquimistas, filósofos, piratas, curandeiros… Todos com uma experiência em ocultismo, feitiçaria e magia. E todos sofreram encarnados. Bem, quase todos, pois tem mais um detalhe.

Os Encantados.

Os encantados são uma classe muito abrangente de espíritos, porém apesar de possuírem semelhanças na definição dos daemons, eles só o são no sentido amplo da palavra, pois os encantados também vão possuir semelhanças com os Fae, com o Jiins, e com outros espíritos de outras regiões do mundo. Mas ser semelhante não é ser igual.

 Segundo as lendas, um encantado é oposto a um amaldiçoado, enquanto um é recompensado pela sua boa vida, o outro é punido pela sua má vida. Em boa parte das lendas um encantado viveu e não morreu, ele encantou, e esse processo de encantamento vai ligá-lo a um fato misterioso, belo, e natural, um bom exemplo é o Caboclo Galo Doido da obra Pastores da Noite de Jorge Amado.  Existem também, outras versões, onde o encantado é um ser da natureza, que não nasceu e existe ligado a algum elemento da natureza, por exemplo, a Mãe d’ouro, que é uma entidade ligada às jazidas de ouro. Juntando os dois conceitos, pode-se definir que um encantado é um ser que não morreu, ou que não nasceu, em ambos os casos ele estará ligado a algum elemento da natureza. Que fique claro que não nascer não torna o encantado igual aos daemons do Grimorium Verum, nesse caso o ser encantado é mais semelhante a um Elemental. Eu disse SE ME LHAN TE. E outro detalhe é importante, esses espíritos são do folclore e cultura brasileira e popular.

Parece-me que a maioria dos estudiosos de magia quer acertar seus conceitos forçando uma semelhança entre a imensa quantidade de espíritos que temos. Um espírito tipicamente brasileiro é comparado a um tipicamente europeu, justificam uma prática nacional e extremamente rica com elementos estrangeiros. Claro que a influência da bruxaria europeia é gigantesca dentro da Quimbanda, porém ela se dá na bruxaria e feitiçaria, com uma prática objetiva, não com conceitos elaborados ou uma divisão sistematizada. É o famoso caso da grama mais verde ser a do vizinho. Portanto não faz sentido algum, nas práticas originais da Quimbanda, realizar um ritual elaborado com círculo, baqueta, espada, turíbulo, cinto e manto, para conversar com um espírito, seja ele qual for. Originalmente não há triângulo, círculo, baqueta e espada. Imagine um Quimbandeiro, descendente de escravos, lutando para manter sua comunidade, que normalmente era em uma periferia, composta predominantemente pelos esquecidos do Estado, usando um cinto de pele de leão atado na cintura!

Muito disso vem de um fenômeno social dentro da Umbanda e que acaba atingindo sua irmã gêmea Quimbanda: o “vamos deixar a macumba boazinha e branquinha.” Isso mesmo, o alvejante social que é colocado dentro das artes oriundas da África. Inicialmente as práticas de Umbanda e Quimbanda eram pra negros, índios e pobres, porém veio Zélio de Moraes, que estranhamente NÃO incorporava nenhuma entidade de esquerda, e a Umbanda tornou-se mais popular. Antes da ascensão das igrejas pentecostais e neopentecostais e sua perseguição religiosa aos cultos afros, os terreiros e casas eram muito comuns, havendo pelo menos um em cada bairro. Essa popularização gerou diversidade, riqueza, beleza e poder.

Queremos colocar uma arte que floresceu em território nacional sob os pés de uma arte estrangeira, chego a pensar no imperialismo na magia. O fato ta Quimbanda e também a Umbanda ter influência da cultura de diversos povos não a coloca debaixo da autoridade dessa cultura, é justamente o contrário que deve ocorrer.

Não tem nada de errado em praticar outras técnicas e métodos de magia, nem mesmo em misturar, porém não faz sentido por tudo na mesma caixa. Dizer que Sr Maioral é Satã, que Exu Lúcifer não existe, ou trocar sangue por leite. Não desbotem uma prática extremamente colorida, diversa e principalmente poderosa.

E mais adiante vamos falar dele: MAIORAL DE QUIMBANDA!

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1 comentário

  1. Gostei do site. Concordo com a idéia exposta, e achei interessante a idéia proposta, a qual menciona os daemons como sendo partes da sombra humana.
    Analisando por essa linha de raciocínio, na minha opinião, faz todo o sentido conseguir através de espaços mágicos e rituais, prender e até mesmo fazer com que tal entidade/espírito faça aquilo que desejamos, como também, os fracassos em alcançar tais objetivos, por se tratarem de sombras humanas relacionadas a vidas anteriores.
    Embora, ambos atuem em esferas inferiores, não podemos afirmar que sejam a mesma coisa.

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