A magia do caos nos introduziu o conceito de “paradigmas mágicos” – modelos teóricos de onde partem nossa cosmovisão e pressupostos, onde podemos estruturar o trabalho mágico. Patrick Dunn, em seu livro Postmodern Magic, estabelece quatro paradigmas principais e coloca o animismo como uma variante do “Paradigma Espiritual”. Porém, esta linha de pensamento nos oferece uma visão de mundo complexa que muda por completo a nossa abordagem magística e merece uma análise aprofundada.
Imagem destacada: cena de “A Viagem de Chihiro” retratando uma divindade que também era um rio.
Durante o final do século XIX, durante o surgimento da antropologia, o termo “animismo” foi cunhado por Edward Tyler a partir da palavra latina “anima” (termo feminino que designa a alma, o ser vivo, a mente e a respiração) para designar uma teoria ou doutrina que se baseia na animação universal da Natureza. É uma noção onde há uma parcela de espírito em todo o mundo natural, desde uma pequena folha de grama até uma imensa árvore, das pequenas pedras até imponentes montanhas, de um pequeno inseto até os animais (humanos incluso) – e por isso tudo teria “animação”, vida e uma Consciência. Embora costume a ser associado com povos indígenas, foi a base da crença de todos os povos pagãos europeus (onde ainda existem resquícios no folclore), das nações africanas e está até hoje atuante e presente em sociedades asiáticas.

Mais do que acreditar em entidades externas à psiqué humana (que podem ser elfos, feéricos, seres limiares, trolls, leprechaun, youkai, encantados, elementais, entre outros termos), é um paradigma que enxerga cada cristal e erva empregado em uma prática como uma entidade por si só (ou o fragmento de uma). Locais são vistos como dotados de alma, cultuada como genius loci ou landvættr, residindo em algum marco natural; e árvores, montanhas, mares e rios podem alçar o status de divindade (como ocorre ainda hoje na Ásia dentro de cultos shintou e de religião popular xamânica na Korea e Taiwan). Há espíritos dentro dos fenômenos climáticos, consciências habitando as chuvas e tanto nos ventos que trazem as grandes massas de ar quanto nas brisas matinais. E é claro, os próprios seres humanos são vistos como entidades na forma do culto aos ancestrais e outros veneráveis (muitas vezes também sendo passíveis de se divinizar, sob algum tipo de imortalização, iluminação ou outro conceito de elevação espiritual).
Sendo assim, o principal ponto do animismo como um paradigma magístico é o estabelecimento do mundo como uma intrincada teia de seres visíveis e invisíveis, se relacionando o tempo todo. Embora haja um “mundo imaterial” habitado pelos mortos e divindades, o próprio Plano Físico também é “espiritual” por excelência – e a humanidade ocupa um pequeno espaço dividido com uma infinitude de seres na teia que entremeia ambos os mundos. Uma visão de “destino” baseada em como qualquer pequeno ato reverbera da mesma forma que os fios de um tear, como a urðr nórdica, são intrínsecas ao animismo; o trabalho mágico consistem compreender as inter-relações de todos os seres e saber exatamente para onde direcionar suas reverberações.
Isso também impacta diretamente a forma que o magista lida com os elementos empregados em suas práticas. A ideia de uma “energia espiritual vital”, como a megin nórdica ou o qi chinês, é muito forte dentro do animismo e esta energia deve ser empregada para a consecução da magia. Assim, é comum buscar em elementos naturais aqueles que possam doá-la para o magista; uma vez que tudo possui um espírito e uma consciência, mesmo que apenas um fragmento, para despertar algo como uma erva usada para um ritual o praticante animista prefere pedir que o espírito da erva atue ao seu favor. Ordenar outra entidade a algo é contraproducente no animismo, sendo que negociações são comuns – sejam na forma de oferendas para entidades, quanto em conjurações que visam garantir que cada elemento natural conceda sua energia vital ao intento (um procedimento que no hoodoo, um sistema de magia popular afro-estadounidense, é chamado de “justify“).

Diante de sistemas herméticos ou embasados no paradigma psicológico o animismo costuma a soar como “antiquado” – porém nessa ancestralidade que guarda seu imenso valor. Ao invés de buscar uma linguagem cientificista para se validar, prefere dizer que “tudo vibra” pois tudo têm um espírito; é uma reconciliação com os mundos natural e espiritual que começa dentro de si mesmo. É um paradigma que ao invés de exigir que o ser humano se destaque da Natureza e que o magista subjugue o mundo, ele reconcilia o ser humano como parte da Natureza e o harmoniza ao mundo como parte de um intrincado e delicado equilíbrio. Para obter algo do mundo, é necessário em primeiro lugar cuidar dele e estar conectado à cada espírito que o roteia. Conforme Orapello e Maguire muito bem colocam, “um é um, porém dentro do todo”.
Assim os convido para conhecerem um novo paradigma e enxergarem o mundo com outros olhos. Que suas vozes possam se tornar um coral junto de cada elemento – visível e invisível – doando vitalidade para sua magia!
Até breve!
-Ravn
Para se aprofundar no animismo:
O acadêmico e praticante de paganismo Arith Härger possui um vídeo conceituando o tema. Pode ser assistido aqui, com legendas em português;
O livro “Um Guia à Bruxaria Tradicional” oferece um sistema animista prático e localizável, dando toda a estrutura necessária para se inserir no paradigma.