
Passamos Lilith, Gamaliel, Samael, Oreb Zaraq e chegamos a Thageriron. Cada vez que avanço, a experiência é mais vazia. Ou talvez seja mais difícil trazer para cá o que eu vejo.
Comentários gerais
Traduções: Aqui também há algumas transliterações conflitantes. Eu prefiro Thageriron *ThGRIRON — com Th pela letra Tav, e um Yod após o primeiro Resh.
ThGR é de negociante, de negociar, fazer trocas comerciais; a tradução escolhida para o inglês é “Hagglers”, o que não me parece muito amedrontador. Seriam demônios “pechincheiros”? A tradução escolhida para Português é “Disputadores”. Acho que “disputa” serve como oposição à “harmonia” de Tipheret. Pelo judaísmo, o conceito tem muito de gesheft.
Gesheft é fazer um bom negócio, bom para um lado, pelo menos. O desequilíbrio do gesheft talvez seja algo que vemos em Thageriron. Uma das pessoas sai ganhando muito e a outra sai perdendo em um troca que poderia ter sido boa para os dois. Parece ser uma questão burocrática do egoísmo. Não basta sem bom pra mim, mas é bom pra mim somente se for ruim para outra pessoa em comparação. É a noção de que, para que eu tenha riqueza, outra pessoa precisa ser pobre.
A casca de Thageriron é basicamente a ilusão de dicotomia. Para uma coisa ser boa, outra precisa ser ruim; para uma coisa ser doce, outra precisa ser azeda; para haver luz, é preciso haver escuridão. E o que for bom, doce e iluminado é MEU, o resto é dos outros.
Esfera do dia: Thageriron e a barganha
Como impressões gerais, a câmara tinha cor violeta. Era difícil de enxergar. Como se estivesse iluminada apenas por lâmpadas de “luz negra”. Havia o que refletisse luz, mas a maior parte não refletia coisa alguma.
Ouvia um som ritmado, alto. Eu ia escrever “marteladas”, mas a palavra melhor é “porradas” fortes e ritmadas. Senti como se tudo se movesse com o som. Era como estar dentro de um relógio gigante ou um coração de pedra, que pulsa e é duro ao mesmo tempo.
Demorou para eu enxergar alguma coisa. Fiquei ali ouvindo e tentando visualizar o que produzia o som. “Vi” uma corrente longa atravessando a câmara. Ela entrava na câmara por uma abertura do lado direito, cruzava uma espécie de altar ao centro, e sumia pelo lado esquerdo. A cada “porrada”, a corrente se movia a distância de alguns elos para a esquerda, como que entrando pela direita e sumindo para a esquerda continuamente. Ela não voltava, não sei dizer se era uma corrente amarrada a ponto de algum dia um elo que suma do lado esquerdo retorne pelo lado direito. O pulsar era irregular. A cada porrada, a corrente se movia a velocidade diferente, embora a cadência das “porradas” fosse sempre a mesma.
Havia, então, três alternativas de passagens, além daquela por onde entrei. Uma por onde a corrente entrava. Uma por onde a corrente sumia. E uma para cima, por onde eu pude talvez ver um céu estrelado, que agora parecia muito, mas muito distante. Não comentei nos outros textos, mas não consigo ver as entradas por onde chego às câmaras. Também não sei dizer se há outras entradas além daquela por onde entrei.
Pareceu viável apenas o caminho da esquerda, que eu já havia decidido ser o caminho da “falta”. O do “excesso” pareceu ser como lutar contra a corrente (com trocadilho) de rio muito forte. Decidi seguir pelo lado esquerdo, mas demorei algumas semanas para ter sucesso em atravessar aquele túnel.

* Como comentário para quem deseja experimentar estes caminhos, parece ser mais fácil visualizar os túneis durante o shabat. Talvez valha uma série apenas com os caminhos entre as cascas.
Shbaa.