Filhos de Noé, filhos da liberdade, filhos da Torah, filhos dos profetas, filhos de D’us. Começamos pelos fáceis de traduzir.
B’nei Noach, “filhos de Noé” é o nome hebraico para os povos não-judeus. Enquanto os hebreus devem seguir os mandamentos dados a Moshé, os outros povos devem seguir apenas as leis dadas a Noé. “Filhos de” indica descendência, mas também indica a submissão ao conjunto de leis. Os judeus são, no caso, chamados B’nei Israel, “filhos de Israel”. “Israel” sendo o nome de Jacó, não do país.
B’nei Chorim, “filhos da liberdade” é a classe social dos homens livres, semelhante aos ideais greco-romanos. Em Pessach, depois de recontar a escravidão no Egito como símbolo para a escravidão interna, os judeus proclamam que, se tudo der certo, no ano seguinte serão b’nei chorim, “livres” – e, então, comem salada e se recostam feito romanos 😛
B’nei Torah, os “filhos da Torah” ou mais literalmente “filhos da instrução” são todos aqueles que estudaram, de preferência em uma yeshivá, e que vivem um estilo de vida regrado conforme ensinado pela tradição judaica. “Filho de”, nesse caso, indica o comportamento de alguém.
B’nei haNevi’im, filhos dos profetas, de forma semelhante, indica pessoas que seguem os ensinamentos de determinados profetas. Seguidores, acompanhantes, discípulos. O filho de um profeta não é, necessariamente, seu filho de sangue, mas um de seus alunos. O líder dos estudantes era chamado Ab, “pai”, e que não era necessariamente o profeta em si, mas um “chefe de guilda”.
Finalmente, os “b’nei elohim”. Os “filhos de Elohim” ou “filhos de D’us” são na maioria das vezes nomes tomados literalmente. Isso ocorre, provavelmente, porque ninguém mais sabe quem eles eram. A aposta mais comum é que eram “anjos” caídos. O próprio Talmud registra essa lenda. Anjos teriam descido ao mundo material e, uma vez na matéria, teriam se corrompido.
Se discute mais do que b’nei/filhos, a interpretação para Elohim. Em Bereshit/Gênesis, “elohim” é entendido como um título de D’us. O radical “el”, indica posição de autoridade e está presente ainda hoje nas línguas modernas em el-evar, el-eger, el-ite.
El Elyon, por exemplo, é o título do deus de Melchizedek, indica o deus supremo. “El Elyon” se traduziria como “superior dos superiores”, mas indica superlativo: “supremo” ou “altíssimo”. No entanto, nas lendas persas e nos pergaminhos do Mar Morto, se confunde com a ideia de um de muitos superiores, por ter o deus El Elyon muitos (70 ?) irmãos.
Bem isso vai ter de ficar para outro dia…
Os B’nei Elohim, que se casaram com as Binot haAdam (filhas de Adão ou filhas dos homens), eram, para os historiadores-linguistas mais céticos, uma casta privilegiada que começou a se casar com pessoas de castas inferiores. O paralelo é o mesmo entre filhos de Israel, um subgrupo privilegiado dos filhos de Noé, as pessoas “normais”.
É curiosos que, se fosse só uma expressão idiomática, os B’nei Elohim teriam se casado com os “B’nei haAdam”, os “filhos” de Adão. Como a expressão “filhas de” não é comum na Torah, é difícil saber se ela é usada aqui apenas pela oposição sexual com os B’nei Elohim ou se a expressão tinha outros significados. Fontes mais modernas preferem usar “Binot haChavah”, filhas de Eva, quando se referem apenas a mulheres.
O mais interessante é que os cabalistas e os historiadores parecem concordar é que o título B’nei Elohim indica sobretudo um cargo, uma função de impor a lei (ou a Lei) sobre os homens. A ideia traça um paralelo entre os B’nei Elohim de Bereshit/Genesis e os “vigias” ou “guardiões” (iyr, mesma raiz de levantar – como uma torre de vigia -, acordar – como estar prestando atenção) do Livro de Enoch, de 300aEC (200 e poucos anos mais novo do que a Torah). Quer dizer, seres moral e intelectualmente iluminados, capazes de comandar os demais.
Shbaa.