“A Canção de Gelo e Fogo” é uma série de livros iniciada em 1996 por George R. R. Martin, hoje muito popular devido a sua adaptação para televisão “Game of Thrones” (indo ao ar pela primeira vez em 2011). Através de ambas as vias, diversos elementos da mitologia emergiam do Inconsciente Coletivo e se tornaram mais uma vez cotidianos para as pessoas que as acompanham. Para mostrar a grande capacidade de remanifestação destes elementos, iniciamos essa série de posts com análises fazendo a ponte entre os mitos antigos e contemporâneos.
Os textos terão como referência primária os livros, podendo haver grandes diferenças em relação ao que é apresentado na série de TV. Além disso, para permitir uma análise mais profunda, poderão conter spoilers.
Um elemento recorrente desde o início da série é o corvo, ave treinada pelos meistres (uma classe acadêmica) para o envio de cartas. Porém, uma presença ainda mais marcante é a do “Corvo de Três Olhos”, entidade que orienta o personagem Bran Stark em seus sonhos; posteriormente descobrimos que se trata da forma astral assumida por um mestre, havendo fortes referências xamânicas na jornada do jovem. O nome “Bran” significa “corvo” em gaélico, estando presente em personagens da mitologia celta associados ao animal; e já foi discutido em outros textos a ligação xamânica entre o deus Óðinn e seus corvos Huginn&Muninn (“Pensamento&Memória”). A associação entre um “terceiro olho” e despertares místicos é normalmente parte da tradição dos chakras, porém tornou-se uma referência muito recorrente nos dias de hoje – no primeiro livro uma cena em que Bran é bicado pela ave no meio de sua testa em sonho e acorda com dores na área.
O corvo é considerado um animal místico (muitas vezes ligados a mensagens entre deuses e humanos) em diversas culturas, devido aos seus altos vôos, forte inteligência e hábitos carniceiros (que o ligam com a morte). A projeção astral assumindo a forma de um animal também está presente tanto no folclore nórdico quanto celta, e possibilitaria a interação com espíritos e observar locais distantes. Em Game of Thrones a projeção é onírica e não lida com entidades; para olhar discretamente um lugar afastado, seria melhor contar com um “warg“.
Também chamados de “troca-peles”, o selvagem (ou melhor, membro do “Povo Livre”) Orell fez um dos usos mais arquetípicos da habilidade ao transferir sua consciência à uma águia e assim poder vigiar a Patrulha da Noite. Povos indígenas das Américas e mesmo certos textos nórdicos falam sobre xamãs que “mudam de forma” deixando seu corpo inerte e assumindo a consciência de um animal. Nota-se uma forte referência nórdica nos Stark, a família nobre do Norte, e o povo nórdico – tanto Bran quanto sua irmã Arya apresentam a característica em relação aos seus lobos companheiros e muitas vezes acreditam estar sonhando quando fazem um uso inconsciente dela. Diferente dos “troca-peles”, os metamorfos nórdicos costumam a literalmente mudar de forma (o que também é bem presente nos contos celtas) e em vários mitos utilizam algum tipo de objetivo mágico (normalmente um manto) para isto; quando associados com lobos, costumam a ser nomeados como úlfhéðnar (algo como “capa de lobo“).

Mas em questão de povos indígenas e referências xamânicas, nenhum grupo é mais proeminente que os Filhos da Floresta. Uma raça anterior à presença de humanos em Westeros, eram um povo que cultuava a natureza com uma tradição de árvores sagradas (depois aprendida pelos humanos, e mantida pelas casas do Norte) e guiado pelos “Videntes Verdes”. Estes realmente faziam o papel de autoridades espirituais, e além das habilidades citadas acima também eram dotados da “Visão Verde”, uma capacidade de ter sonhos proféticos porém extremamente simbólicos, e eram conhecidos por possuírem saberes mágicos secretos.
Como é notável, diversos elementos da mitologia estão repaginados em Game of Thrones e estão novamente percorrendo a Imaginação popular. A cada tempo, novos mitos são criados derivados dos anteriores e assim persistem, sempre dialogando com sua época. Porém os livros ainda oferecem muito mais referências, existindo até mesmo a possibilidade de analisá-los sob a ótica LHP; por isso, aguardem as próximas partes.
-Ravn
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Entenda a magia draconiana e os mitos que a simbolizam na coluna “LHP”
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