Animes e mangás japoneses costumam ter uma simbologia bastante interessante e intricada. Contudo, diferente das obras ocidentais, a ficção oriental é, não raro, mais longa, concisa e detalhada que a ficção ocidental. Onde os quadrinhos ocidentais possuem pequenas histórias que raramente desenvolvem seus personagens ou os colocam em uma estrutura que possua início, meio e fim, os mangás e animes japoneses tendem a ter longos arcos que, a pesar de fechados em si mesmos, progridem a história como um todo. Mas fica a questão – se formos analisar esotericamente esses arcos, como podemos descrever essas estruturas?
Bem, certamente que podemos descrevê-las a partir da árvore da vida hermética e também da Jornada do Herói. Tanto a estrutura dos Arcos individuais de um mangá segue a Jornada do Herói quanto a estrutura geral das obras tende a fazê-lo também. Porém, algo se perde nesse meio.
Vejamos.
A Estrutura Geral
Como tema de estudo pegaremos o famoso manga Naruto (livre do anime, que possui episódios não-canônicos, os famosos fillers, em excesso). Naruto possui pouco mais de 600 capítulos, distribuídos (em minha visão) em 8 arcos, onde o herói passa diversas vezes pelo caminho do herói – uma em cada arco – e também faz uma jornada maior unindo-se todos os arcos.
Os arcos de Naruto são:
1 – Arco Inicial. Conta a história de como Naruto, o herói solar, é aceito em um mundo secreto, onde apenas os iniciados (no mangá, ninjas) podem adentrar.
2 – Arco da Ponte. Conta uma história onde Naruto tem contato com diversos elementos irracionais e ilusórios ligados a emoção.
3 – Arco do Exame Chuunin. Conta uma história onde Naruto tem de vencer, em última análise, uma manifestação do inconsciente profundo.
4 – Arco da Busca por Sasuke. Conta uma história onde Naruto precisa tentar reaver um “irmão perdido”.
5 – Arco da Akatsuki. Conta uma história de como Naruto e seus amigos precisam vencer ameaças violentas.
6 – Arco de Tobi. Conta uma história de como Naruto precisa superar um ser que se Oculta nas sombras.
7 – Arco de Madara. Conta uma história de como Naruto precisa superar uma força impulsiva cujo objetivo é o Caos.
8 – Arco de Kaguya. Conta uma história de como Naruto precisa superar uma força transcendental, um “deus caído”.
Cada um desses arcos, por sua vez, representa a passagem por uma prova, que pode ser representada como uma Sephira.
O primeiro arco representa a passagem pelas provas materiais. O segundo, pelas provas emocionais. O terceiro, pelas provas intelectuais. O quarto, pela prova da aceitação de si. O quinto, sexto, sétimo e oitavo, por provas que transcendem a vontade própria e dizem respeito à sobrevivência não só de Naruto, como também daqueles ao seu redor. Ao fim, Naruto, o herói solar do manga, passa por todas as provas e nelas é bem sucedido – assim cumprindo a jornada solar desde a aceitação de si a volta ao mundo profano.
Uma Árvore da Vida relacionada à Jornada empreendida pelo personagem, contudo, é impossível. Isso porque, em cada arco, mudam as pessoas que estão nos postos Arquetípicos relacionados a ela. Claro, Jiraya, personagem mentor de Naruto, certamente poderia ser colocado em Chesed – na posição do Professor Sábio. Contudo, ali também se encaixam personagens como os Sapos Anciões. Personagens como Sasuke, então, podem se encaixar tanto em Hod (o lado racional do grupo de Naruto, chamado “time 7”), como também em Daath (desafio a ser superado).
Em cada Arco do mangá uma nova coleção de personagens aparece para compor a Árvore da Vida daquele arco em específico.
A Estrutura Específica
Assim sendo, exploremos dois arcos – o primeiro e o último.
Arco 1 – Arco Inicial
O primeiro arco de Naruto ocorre, com início, meio e fim, já no primeiro primeiro capítulo. É um arco extremamente curto, o que explica a multiplicidade de papéis assumidos pelos personagens. É também um capítulo muito voltado a auto-descoberta e auto-aceitação, à realização da transcendência além de si para uma versão melhorada de si mesmo.
Vejamos.
Malkuth – O plano material é representado, nesse arco, pela sala de aula que Naruto deve frequentar. O local é para os não-ninjas, ou seja, os não-iniciados nos meios ocultos da Vila Oculta da Folha. É também o local onde as primeiras técnicas, aquelas cuja maestria permitirá ao incauto ser iniciado, são passadas.
Yesod – A Princesa Aprisionada por Malkuth, no primeiro arco, é ninguém menos que o próprio Protagonista – Naruto. Mais especificamente, sua capacidade de agir com seriedade, disciplina, vontade e eficiência. Enfim – de dar o melhor de si. Tudo isso, antes da conclusão do primeiro arco, estava oprimido pelas condições materiais do mundo onde Naruto habitava. Sua orfandade, a forma como olhavam para ele, inclusive e acima de tudo, o Segredo quanto à sua natureza e quanto ao ódio que todos lhe endereçavam. Todos esses eram aspectos que impediam que Naruto manifestasse sua capacidade de ser Humilde – isso é, de agir pelos objetivos que lhe verdadeiramente interessam, e não por conta das distrações materiais ao seu redor.
Hod – Hod é a primeira e mais óbvia manifestação de Iruka – personagem tão amado por tantos. Ele representa a lógica, as técnicas, a passagem dos meios de se realizar os rituais que devem ser realizados. Iruka é, inicialmente, um professor e não um mestre. Suas decisões são lógicas, e também seus ensinamentos são sobre lógica. Por isso, lhe cabe o assento em Hod.
Netzach – Mizuki possui, no começo do mangá, papel de representar a Emoção. Ele aconselha Naruto e procura equilibrar a razão de Iruka. Mais tarde, descobrimos que seus motivos eram impuros. Contudo, no começo do capítulo, Mizuki assume o papel de Netzach.
Tipheret – Naruto, não em seu primeiro aparecimento no mangá – isso é, como um rapaz travesso e rebelde – mas sim em sua forma mais elevada, é, obviamente, o herói solar que passará pela Jornada ao encontro de si mesmo, e depois, do Pai.
Geburah – Iruka, na face daquele que ordena disciplina, representa Geburah nessa primeira fase do mangá. Na imagem colocada, ele força Naruto a limpar uma pichação que fez.
Chesed – Novamente por conta de Iruka, o papel de Mestre lhe é creditado quando ele, vendo em Naruto uma versão mais jovem de si mesmo, resolve tutorá-lo e ajudá-lo a superar as dificuldades da jornada em busca daquilo que os Une. Nesse momento, está sendo um mestre.
Daath – Mizuki, o opositor, é aquele que põe em movimento a Jornada de Naruto. Traindo ao grupo e buscando matar a Iruka e também a Naruto para obter seu próprio ganho egoísta, cabe a ele o papel de Daath.
Binah – Contudo, Mizuki é meramente um reflexo de uma força superior. O Terceiro Hokage (Sandaime) é a força Constritora que garante a Unidade da vila e também que Naruto possa permanecer vivo. Porém, é também por conta dele que Naruto foi excluído da convivência com os demais e taxado como um perigo a todos. Ao Terceiro Hokage, cabe a postura daquele que possui a Compreensão e executa a Limitação necessária para que haja existência.
Chockmah – Os rolos de pergaminho, em Naruto, são uma referência constante a poderes e técnicas transcendentais que elevam a pessoa de seu nível atual para um nível superior. O pergaminho dos selos é um pergaminho que poderia, caso fosse usado de maneira errada, levar à destruição não só de Naruto como também de todos na Vila Oculta da Folha. Contudo, o lado caótico desse poder expansor não foi utilizado – e sim o lado positivo e transcendente. Com o uso do conhecimento contido nesse pergaminho, Naruto finalmente supera suas barreiras naturais e se catapulta a um novo nível de existência.
Kether – Aquilo que Une não somente todos os personagens do mangá, como inclusive é a razão da existência de todo o mundo oculto dos ninjas é não outra se não a existência dos ninjas em si. O protetor de testa da Vila Oculta da Folha representa aquilo que une a todos que dela fazem parte – e também o mistério que Naruto deseja (e deve) alcançar.
Arco 8 – A Batalha Final
Malkuth – Ao fim da Jornada, o “mundo” em que Naruto inicia sua caminhada é bem literalmente o mundo material, o planeta onde vivem as pessoas. O objetivo é redimir esse mundo e, ao fim, a ele retornar.
Yesod – Sakura, durante boa parte das Jornadas do mangá, esteve em Netzach – como o suporte emocional do grupo. Contudo, no arco final seu local em Yesod – sem poderes especiais ou grande contato com os mistérios do universo, como a princesa presa pelo mundo (guerra shinobi) e que dele precisa ser resgatado para que, por meio do simbólico casamento alquímico entre ela e o herói solar (que ocorre na forma de um certo amor nascido durante a batalha final, mas logo esquecido em prol de agradar ao fandom), possam ambos elevar-se além de seus grilhões.
Hod – Sasuke aparece nesse papel como o possuidor do raciocínio lógico, da frieza de cálculo e do poder necessário para que o Herói solar obtenha metade da ajuda mais material necessária para subjugar o seu inimigo.
Netzach – O sábio dos seis caminhos aparece nessa posição como aquele que traz as revelações do inconsciente profundo, assim como aquele que fornece o suporte emocional necessário para que o herói continue lutando após considerar-se já morto e destruído. O sábio dos seis caminhos também é aquele que dá ao herói a outra metade do poder mais material necessário para vencer a prova a que Naruto se propõe.
Tipheret – Naruto, o Herói solar, alcança sua “forma final” enquanto contato consigo mesmo nesse arco. Esse é o Naruto que alcançará o seu Sonho (ou Verdadeira Vontade) e também o Naruto que mais brilha sua essência para aqueles ao seu redor.
Geburah – Indra, vida passada de Sasuke, representa nesse arco o alcance e recuperação do poder combativo original que anteriormente havia iniciado as grandes guerras ninja. Nessa situação, Indra aparece retificado em seu posto de violento e destruidor – retificado como uma força que traz uma força necessária ao Herói Solar para que ele retifique suas ações para com Sasuke, assim como também para que ache seu devido lugar na realização do combate.
Chesed – Ashura, vida passada de Naruto, representa nesse arco o Mestre ou Mentor que aparece para lhe dar a força pessoal, o controle e a habilidade necessários para ultrapassar o obstáculo à frente. Ainda que sua ação não pareça ser exatamente a de um mestre – pois aparece apenas brevemente – o conhecimento e poder necessários para a realização da boa batalha, assim como para a manifestação da vitória, dele fluem.
Daath – Kaguya é a “mãe do chakra”, o desafio último a ser vencido. Uma devoradora de mundos que deseja o fim da humanidade. Uma representação clara dos instintos destrutivos não só do próprio Herói Solar, como também de todos aqueles que ele ajudou a superar tais instintos durante sua jornada.
Binah – O Fruto da Árvore de Chakra representa tanto a fonte de todo o poder esotérico quanto também a limitação última da vida de todo shinobi do mundo de Naruto. O chakra, conquanto não precise ser utilizado no ninjutsu, é importante para o taijutsu e para todas as habilidades ninja em geral. Assim, é o fator limitante que também dá forma a um shinobi – ser capaz de manipular o chakra.
Hockmah – O espírito do fogo é o fator expansivo por excelência no mundo de Naruto. Representa a Vontade, a expansão pura. Por isso, encontra-se em Hockmah.
Kether – O ritual usado para selar Kaguya (que nunca é verdadeiramente derrotada – lembrem-se disso, é um detalhe importante) é um ritual baseado em conciliar os opostos. Em unir o “dia” e a “noite”. Em achar a união última de todas as coisas. É o objetivo máximo de toda a jornada do último arco, e também a origem de todas as forças que nele estão presentes. É o mistério do equilíbrio do yin e do yang.
As Estruturas Gerais
De certa maneira, podemos dizer que Naruto possui uma estrutura geral simplificada. A Vila da Folha em Malkuth, Hinata em Yesod, Sasuke em Hod, Sakura em Netzach, Naruto em Tipheret, Kakashi em Geburah, Jiraya em Chesed, Kaguya em Daath, o chakra em Binah, a vontade do fogo em Hockmah e o posto de Hokage (senhor do fogo) em Kether. Porém, essa estrutura em específico não se manifesta JAMAIS em nenhum dos arcos da obra. É uma estrutura que, aliás, atrapalha o entendimento da obra – pois generaliza a partir das posições tomadas por personagens que caminham dentro da Árvore com o passar dos arcos. Os personagens, afinal de contas, são multifacetados.
Essa é uma característica comum a todos os magakás aprendizes de Akira Toryama, tais quais Oda, Kishimoto e Kubo. Contudo, todos eles compartilham ainda uma outra característica: o fato de que todos os vilões presentes nos diversos arcos das obras podem ser aglutinados em uma única Árvore da Morte.
O tema da Árvore da Morte (também chamada do Conhecimento do Bem e do Mal) é espinhoso e perigoso. Não convém entrar em detalhes muito profundos. Porém, parece-me salutar ressaltar de que modo os autores dessas obras conseguem de fato, um feito impressionante: Demonstrar como as diversas pequenas Batalhas Solares levam a uma Retificação do Mundo, por meio do galgar das qliphot de uma grande Árvore da Morte.
Os personagens de mangas como Naruto não somente partem em jornadas pessoais, eles efetivamente agem em um mundo corrompido, restaurando e renovando os seres desse mundo – fazendo uma potente transformação alquímica, às vezes, usando de LUX, de Sephira, da capacidade de transformar por meio da Lucidez e da Consciência, às vezes, usando de NOX, de Qliphot superiores àquela que estão enfrentando. De fato, os aprendizes de Toryama parecem ter um apego em especial pela Qlipha de Geburah, que lida com a Ira.
Todos os personagens principais desses autores em algum momento se entregam à Ira, tornam-se mais fortes por conta dela, mas então precisam aprender a controla-la e superá-la quando chega a hora certa.
E na semana que vêm – vamos ver que Árvore da Morte se aplica a Naruto ?
3 Comentários
Que trabalho sensacional
Agradecido. Ainda que não tenha sido o meu melhor post, definitivamente foi bem trabalhoso de fazer.
Exatamente. Um trabalho sensacional.