Uma amiga perguntou: Na cabala, eu sou Nefesh? Sou Ruach? Eu sou a que está em Malkuth? Sou quem está em Tifereth? Ou existe um ego verdadeiro em Kether? Qual sou eu?
É interessante pensar isso. A resposta, no judaísmo, é muito simples.
Podem ser 3 almas, 4 mundos, 7 corpos, 10 esferas, 22 caminhos. De tudo isso, a maioria das pessoas acha que é apenas seu corpo, que estaria em Malkuth. É possível mesmo acreditar que uma pessoa é só suas vestes, é apenas o vaso onde todo o mar espiritual se deposita?
Façamos um exercício. Assoprem. Vocês que leem este texto… Tu, assopra.
Inspire, deixe o ar encher os pulmões. Empurre o ar até a boca. Através dos lábios. Eu não preciso te ensinar a assoprar, preciso?
…
Mas o que é o sopro? É o ar em movimento a tua frente? É o ar entre os teus lábios? É o ar na garganta ou aquele ainda parado em teus pulmões? Ou nasce o sopro antes? Na tua intenção de assoprar. Ou nasce no meu texto e, antes mesmo, nasceu na pergunta da minha amiga? Para a cabala judaica, todos são o sopro.
Foi muito rápido. Como um sopro. Mas a resposta é essa.
Na cabala, Malkuth é a esfera onde todas as outras esferas “existem”. Só assim existimos nós. Existimos em Malkuth porque existimos em todas as outras esferas que a “precedem” na ordem lógica das emanações. Se a pergunta da minha amiga não me instigar uma resposta, se minha resposta não for escrita em texto, se o texto não for lido, se vocês não tentarem acompanhar o exercício, se tu mesmo não expelir ar dos pulmões fazendo esse biquinho estranho com os lábios, se o ar não sair… não há sopro.
Ninguém planeja uma viagem até por os pés na estrada. Se não por os pés na estrada, a coisa planejada era tudo menos uma viagem.
O sopro é tudo isso ao mesmo tempo (se tempo pudesse ser usado para descrever as esferas). Mais interessante, cada sopro é tudo ao “mesmo tempo” e é um sopro absolutamente único em si.
Teu sopro e os dos teus amigos — que também leram este texto, porque compartilhaste com carinho, obrigado — são sopros individuais. Compartilham este texto como ponte para a realidade e nasceram em uma fagulha na pergunta da minha amiga, mesmo que ela jamais pensasse em fazer outro alguém assoprar.
Se interessar a alguém, minha amiga interpretou a explicação como a de um Autômato Finito Não-Determinístico (ainda se usa essa expressão?). No AFND, a máquina percorre todos os caminhos possíveis, mas gera apenas uma resposta (a partir de um dos percursos). A resposta é a mais curta, da mesma forma que “o Universo tenta materializar a Vontade no menor caminho”. Mas essa é outra história.
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Nota simbólica tangencial: o Talmud nos ensina que as palavras para alma — nefesh, ruach, neshamah — são associadas ao movimento do ar. Neshama é a respiração. Ruach é vento ou sopro. Nefesh é o nome para quando o vento parece descansar ao atingir um objeto, como uma vela de embarcação ou um canto da parede.
Shbaa.