Ventosaterapia e os Atletas

Durante os jogos Olímpicos desse ano (2016) o mais famoso atleta da delegação americana, aquela com maior número de medalhas de ouro na história dos jogos, surpreendeu o mundo. Isso porque o detentor de recordes e medalhista de ouro Michael Phelps, apareceu com estranhas manchas roxas e redondas pelo corpo – especialmente na região dos ombros e costas.

Não, não é um efeito negativo de nadar nas águas poluídas da Baía de Guanabara. São o resultado de uma antiga técnica chinesa chamada Ventosaterapia, que é utilizada conjuntamente à medicina tradicional chinesa há muito tempo. Mas o uso da MTC por atletas, executivos, políticos e outras pessoas cujo estilo de vida requer tratamentos não invasivos para seus sintomas, não é coisa nova.

De fato, os atletas americanos que dão novo significado aos limites do corpo humano e estabelecem sua marca no mundo parecem ter um gosto apurado pela medicina oriental.

Falemos um pouco disso.

 

Arnoldao nas acupunturis -1438
Arnold se submete a acupuntura aos 14’38” do make-off de pumping iron – chamado RAW Iron.

 

Pumping Iron

O ator, político e body builder Arnold Schwarzenegger, carinhosamente chamado por alguns de “Arnoldão”, é talvez o primeiro exemplo que me vem à mente quando penso em atletas usando a MTC para irem além de seus pares.

No filme RAW Iron, make-off de Pumping Iron, que mostra a trajetória de Arnold em sua busca do sétimo prêmio de Mister Olímpia (maior prêmio do mundo do halterofilismo e body-building), vemos o, na época enorme, body builder se submetendo a uma sessão de acupuntura. Acredito que Arnold se submetia às sessões para aumentar a sua perda de água antes das competições, ficando com os músculos mais definidos, mas também para diminuir a inflamação decorrente de fazer muito exercício físico repetitivo.

Para aqueles que conseguem reconhecer, é possível notar que o acupunturista que atende nosso querido Arnoldão utiliza-se de pontos do Triplo Aquecedor localizados no ombro. Pontos desse meridiano são ótimos para a retirada de calor de origem interna (como as inflamações, sejam clínicas ou sub-clínicas, derivadas de exercício excessivo), e também de água do organismo.

Segundo a teoria da MTC ambos, o calor e a água, seriam eliminados pela urina. De fato, meus professores da época do curso de acupuntura contavam casos para nós durante as aulas – para que não nos assustássemos caso, após tratar uma pessoa que possuísse muito calor interno, ela eventualmente relatasse ter tido hematúria – urina com sangue – durante uma ou duas vezes. A perda de pequena quantidade de sangue na urina seria decorrente da purificação realizada pelo meridiano do Intestino Delgado que, para livrar o corpo do calor (inflamações etc.) enviaria o mesmo para a bexiga por meio do sangue. Como não foi esse o meridiano utilizado, a chance de ocorrer hematúria é pequena, mas ainda existe.

 

Meridiano do Triplo Aquecedor

 

Já aqueles que conhecem um pouco mais de fisiologia talvez estejam rangendo os dentes agora, dizendo para a tela: “Não há conexão entre o intestino delgado e a bexiga!”

E eu concordo.

Não há conexões diretas entre esses dois órgãos. O sistema de veias porta dirige-se ao fígado e dali à circulação sanguínea, apenas eliminando toxinas por meio da urina muito mais tardiamente – quando esse sangue é filtrado pelos rins.

Mas não nos enraiveçamos. A MTC guarda conhecimentos que transcendem nossas noções de fisiologia médica, e os antigos chineses provavelmente não quiseram dizer que havia uma conexão anatômica direta entre o intestino e a bexiga.

O significado de suas palavras era outro.

 

 

 

Phelps

Michael Phelps é praticamente uma máquina de fazer medalhas.

O atleta possui uma rotina de treinamento extremamente intensa, uma dieta rigorosamente controlada e toda a assistência tecnológica necessária para simplesmente ser o melhor. Imaginar que uma pessoa cuja vida se resume a tentar ser sempre o melhor gastaria tempo com bobagens inefetivas é inocente. Assim, as marcas da ventosaterapia nas costas de Phelps, ainda que não sejam prova clínica, são um bom indicativo de que há algo de especial na MTC que a torna atrativa até mesmo para aqueles cujas vidas são ditadas pela necessidade de serem melhores.

De todos os possíveis tratamentos para lesões nos músculos e articulações, por que escolher a ventosaterapia?Bem, eu diria que é pelo mesmo motivo que deve ter levado Arnold a escolher a acupuntura para se tornar mais competitivo durante as provas de body building.

É apenas minha opinião, mas eu diria que é porque…

 

 

O Custo-Benefício é Melhor

Não serei hipócrita. Todos nos utilizamos da medicina ortodoxa.

Quando eu, que sou acupunturista, tenho uma dor de cabeça… bem, raramente uso acupuntura em mim mesmo. Engulo um analgésico e durmo.

Quando estou com alguma doença mais séria, não tiro o I-Ching para mim mesmo. Vou a um médico.

E esse é o caminho correto a se seguir, pois a medicina ortodoxa ocidental é muito rápida, protocolada, clara e efetiva. Contudo, em casos de atletas como Phelps e Schwarzenegger, simplesmente engolir um comprimido e ir dormir não é opção. Assim como o sabem aqueles que possuem enxaquecas constantes, dores de coluna incessantes, túnel do carpo, artrite, estão sofrendo com os efeitos da quimioterapia ou outros tipos de afecções de difícil resolução pela medicina ortodoxa ocidental, simplesmente engolir um Ibuprofeno ou Paracetamol NÃO é uma opção.

Maravilhas dos tempos modernos. A um preço.

 

Analgésicos e anti-inflamatórios são tóxicos.

Para um uso eventual e controlado, são ótimos e os malefícios que causam ao corpo valem a pena pelo alívio que trazem. Mas, quando falamos de pessoas cujos corpos são levados ao limite, como Phelps ou Schwarzenegger, ou de pessoas que precisam de alívio constante, como aqueles que possuem enxaquecas e outras dores crônicas, a toxidade dos analgésicos e anti-inflamatórios torna-se excessiva.

Por isso, não basta simplesmente tomar um remédio quando bate a enxaqueca ou engolir alguma porcaria depois de nadar os 100m livres. É necessário algo menos tóxico e invasivo. E é aí que entram a MTC e a Ventosaterapia.

 

 

Como Funciona a Ventosaterapia
A ventosaterapia, cuja técnica envolve basicamente utilizar-se de um copo com vácuo para sugar um pedaço da pele da pessoa por alguns minutos, funciona de maneira bem simples – independente da teoria médica usada para tentar-se entende-la. Para aqueles que veem pelo lado da fisiologia e anatomia clássicas, a ventosaterapia gera uma sucção que lesa micro-vasos na região da derme – assim gerando os famosos “roxos” da região. Daí em diante, isso é, a explicação de como esse tipo de micro-lesão pode gerar uma melhora em quadros de lesões musculares por esforço excessivo, entramos em uma área com pouco estudo.

Podemos utilizar como hipótese o efeito que a lesão gera, isso é, o derramamento de sangue.

Como há um “roxo” formado no lugar, o corpo aumenta o fluxo de sangue de toda a região afetada, em um mecanismo natural de reparo das lesões por derramamento de sangue. Isso gera um efeito desinflamatório e analgésico natural – com muitos outros benefícios, como o estímulo às células ao redor para aumentarem sua regeneração, ajudando a transformar o que antes era uma inflamação com eficácia diminuída em um processo geral de cura que traz maior eficácia ao reparo natural das fibras musculares.

Podemos também tomar como hipótese que, tendo em vista o dizer da MTC de que “onde fica mais roxo, é porque mais havia necessidade da ventosa”, o que ocorre é o rompimento de micro-vasos que estavam sendo comprimidos pela inflamação no local. Rompimento esse que gera o mesmo efeito desinflamatório, sendo mais intenso o efeito quão mais comprimidos estivessem os vasos – assim justificando o porquê de esse dizer possuir sabedoria.

 

 

Já na teoria da medicina tradicional chinesa, a razão pela qual a ventosaterapia é útil é muito simples. As lesões por esforço repetitivo, como aquelas ocorridas com atletas em dias de competições muito intensas, ocorrem porque há um desgaste muito intenso do Qi e do Xue presentes na região usada em excesso.

Assim como ocorre nas DORTs (Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho), antigamente chamadas de LER (lesões por esforço repetitivo) e até hoje conhecidas como “túnel do carpo”, “joelho lesionado” e similares o efeito do excessivo uso de um membro é o de consumir o Qi e depois lesionar o Yin presente no local, gerando assim um efeito de Falso Calor – onde a deficiência de Ying Qi e a lesão do Yin gera a sensação de que há um excesso de Yang, e uma inflamação, normalmente sub-clínica, mas que pode se manifestar de forma mais intensa, como nas DORTs, gerando a redução do desempenho daquele afetado pela doença.

Mas isso não é tudo.

Caso a pessoa continue a insistir em utilizar o membro lesionado, a deficiência de Qi geral e a subsequente lesão das outras estruturas mais Yin invariavelmente traz também uma deficiência do Wei Qi da região (o Qi defensivo), assim tornando aquele local mais vulnerável a infecções, entradas de Xie Qi (qi tóxico), dentre outras complicações médicas que tornam o quadro ainda pior.

 

Claro, há exemplos de outros tipos de usos que se aplicam a pessoas que não necessariamente estão com doenças da idade ou de trabalho excessivo.

 

Nesse sentido, as Ventosas atuam de três formas.

Primeiramente, puxam para fora, por meio da sucção, qualquer Xie Qi que possa ter adentrado o local onde há deficiência de Ying Qi e/ou Lesão do Yin, desde que esse Xie Qi encontre-se ainda nas primeiras camadas energéticas internas do corpo (entre PiBu e os Canais Tendino-Musculares).

Segundo, puxam Xue/Qi das regiões próximas e das camadas também próximas (como a tendino-muscular), gerando um movimento geral de Xue/Qi no corpo – o qual arrefece o calor presente no local e também nutre a deficiência alí presente, ajudando a diminuir os estragos e lesões geradas pelo excesso de esforço repetitivo.

Terceiro, estimulam o movimento do Xue/Qi, que normalmente encontra-se estagnado nesses lugares por não haver suficiente Yin para dar sustentação ao movimento do Yang – de modo com que se assemelham a uma ventania muito forte sob um pequeno poço de água. Quando chegam os novos Xue e Ying Qi, trazidos pela sucção, esse yang presente assenta-se sobre eles e gera um movimento violento, que acaba trazendo à tona as marcas roxas, demonstrando quão intensa era a necessidade de mover o qi em intensidade proporcional a quão roxo o local fica.

 

Canal tendino-muscular da bexiga.

Em outras palavras, o efeito geral das Ventosas é o de arrefecer os calores, aumentar a velocidade de cura natural das regiões lesionadas por deficiência de qi/xue/yin e ainda gerar um aumento no fluxo do qi/xue da região, ajudando a desestagnar as estagnações que normalmente se formam em qualquer local do corpo onde haja deficiência de quaisquer dos elementos necessários – sejam eles o yin ou o yang.

As ventosas ainda podem ajudar em casos onde haja o oposto, isso é, deficiência de Yang. Por meio de sua ação, puxam e movem o yin, gerando assim um aumento no fluxo do mesmo e um estímulo à circulação do qi/yang na região. Claro, nesses casos o uso de Moxabustão pode ser mais adequado, mas não há porquê entrarmos nesse nível da discussão. Assim, fica explicado como ajudam os atletas a sentirem menos dores, aumentarem sua performance e ainda se curarem mais rápido das lesões que sofreram.

 

 

A Comprovação pela Utilidade

Uma das mais sábias máximas (relativizando-se o quão sábio pode ser usar máximas, é claro) da Magia do Caos é a seguinte: Teste. Se der certo, guarde. Se não, jogue fora. E isso se aplica a muitas coisas além da Magia do Caos. A MTC sobreviveu a muitos testes.

Sobreviveu ao teste do tempo, ao teste da modernidade, e agora sobrevive ao teste da utilidade. Se as pessoas com uma das maiores necessidades de resultados do mundo, isso é, aquelas envolvidas nos esportes mais competitivos o possível, utilizam-se da MTC para aumentarem sua eficiência no que fazem, então esse é um ótimo indicativo do quão funcional ela é.

É uma pena que a medicina ortodoxa ocidental, e mais especificamente o Conselho Federal de Medicina, mantenham uma postura totalmente retrógrada, corporativista, e até mesmo mentirosa, no que diz respeito à acupuntura. Não apenas criam propagandas falsas, como aquelas que dizem ser a acupuntura de prática exclusiva de médicos, como ainda a utilizam sem respeitar os princípios do DeQi, do diagnóstico energético-funcional, dos princípios da MTC e do respeito ao conhecimento antigo.

Enquanto os “colocadores de agulhas” vão lendo suas tabelas onde está escrito “para dor de cabeça, use os pontos x, y, z”, nós, estudantes e profissionais que tentamos resgatar a essência da medicina tradicional chinesa como uma ciência totalmente separada da medicina ortodoxa, somos processados como se fôssemos charlatães, curandeiros ou, pior, como se estivéssemos nos apropriando da profissão médica sem sermos médicos.

A MTC sobreviveu ao teste da utilidade. Mas será que sobreviverá ao teste do corporativismo?

Torçamos para que os profissionais de Medicina Tradicional Chinesa sejam identificados como aquilo que são – profissionais de uma medicina outra que não a ocidental clássica, com uma formação própria e com métodos próprios. De outra forma, continuaremos a ler nos jornais médicos ocidentais, que entendem tanto de MTC quanto entendem de história da china, dizendo que as técnicas “parecem funcionar, mas não tem comprovação clínica”.

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