É sempre uma boa pergunta. E ela tem tantas respostas quantos temos grandes rabinos estudiosos da cabala.
Os rabinos mais focados na cosmogonia judaica baseada na Árvore da Vida (Akiva, Luria, Vital) diriam que D’us escolheu se “remover” de partes do Mundo para que o Mundo tivesse forma, tivesse liberdade.
Mas a resposta mais comum nos círculos cabalísticos é outra pergunta: “Saber a resposta muda o modo como tu enxerga o sofrimento?” Quer dizer, se houvesse um motivo para o mendigo passar fome, isso mudaria o fato de ele estar precisando ajuda para comer? Isso mudaria o sentimento que tu tens ao ver um mendigo faminto?
Ser ou parecer. Qual é mais importante?
“O que vale é o coração”, dizem alguns. Ou o que vale é o Espírito. Ou a essência. O seja lá qual o nome para o que existe por dentro. O mundo moderno adquiriu um ar de “profundidade”. O indivíduo é um universo à parte que se estende para as entranhas da matéria microscópica.
Há também o “fake it ‘til you make it” ianque. Em geral, aparece como forma de mudança do próprio comportamento através da imposição de uma rotina. Às vezes, para dar confiança. Às vezes, para combater a sensação de que o indivíduo não passa de um charlatão.
No judaísmo, a aparência é muito importante. A expressão correta é “não basta ser correto, tem que parecer correto”. Há uma mandamento que diz “não se deve falar mal dos outros”. Há outro, “não se deve induzir alguém a descumprir um mandamento”. Temos então que não se deve induzir alguém a falar mal de nós, certo? Ao mesmo tempo, o judaísmo parece considerar evidente que não há diferença entre o que somos e como parecemos.
É uma definição prática. Se a pessoa tem ódio por outra, planeja assassinar o chefe, atropelar um pedestre, trocar os conteúdos do saleiro por pimenta e ainda assim não faz nada, ela não pode ser punida pelo seu ódio. Por outro lado, se a pessoa é muito boa, tem um coração amoroso, vontade de contribuir com tudo e com todos, capacidade de discernimento e, ainda assim, vive pobre, sujo e sem amigos… por que essa pessoa deveria considerada um bem para a humanidade?
Olho Gordo
Paralelamente, uma crença pouco evidente no judaísmo é a do Mau Olhado (Ayin haRá). A crença em si é comum a muitas culturas. No judaísmo, ela se destaca por conviver com a crença de que a harmonia de tudo é mantida por um D’us único e justo. Se não há conflitos divinos, por que a inveja de uma pessoa poderia causar o mal de alguém que está tendo sucesso em seguir as Leis desse D’us?
De novo, a explicação é prática. Digamos que temos um aluno (chamaremos de José) que vai muito bem nas aulas. Faz seus exercícios em sala de aula. Ajuda um ou outro colega. De vez em quando, puxa um livro que nada tem a ver com a aula e lê recostado enquanto o professor continua a explicar a matéria.
Um outro aluno (chamaremos de Thiago) – daqueles que não atingem notas tão boas e que, vez ou outra, é repreendido pelo professor por não estar prestando atenção durante a aula – olha para o aluno que lê em seu canto e chama o professor. “Professor, o José não tá prestando atenção!”
O que deve fazer o professor?
a) deixa José ler em paz e ensina a Thiago que alguns têm mais direitos do que outros?
b) repreende José, que não fazia mal a ninguém, reforçando a Thiago como se comportar em sala de aula?
O Ayin haRá não acontece para que quem “sofre” a inveja modifique seu comportamento. Antes, acontece para que aquele que sente a inveja aprenda como se comportar.
Faz sentido?
Shbaa.
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“Mas a resposta mais comum nos círculos cabalísticos é outra pergunta: “Saber a resposta muda o modo como tu enxerga o sofrimento?” Quer dizer, se houvesse um motivo para o mendigo passar fome, isso mudaria o fato de ele estar precisando ajuda para comer? Isso mudaria o sentimento que tu tens ao ver um mendigo faminto?”
Faria diferença para mim sentir-me injustiçado ou não.
Então, a minha resposta para “Saber a resposta muda o modo como tu enxerga o sofrimento?” é SIM.
“Por outro lado, se a pessoa é muito boa, tem um coração amoroso, vontade de contribuir com tudo e com todos, capacidade de discernimento e, ainda assim, vive pobre, sujo e sem amigos… por que essa pessoa deveria considerada um bem para a humanidade?”
Vivo sujo ,e meus “amigos” , incluindo parentes, se afastaram.
Desejo ajudar os mais pobres e mais doentes do que eu.
Não tenho ânimo para tomar banho todos os dias, estou doente, mentalmente doente – depressão, no mínimo.
Quase não saio de casa.
Adonai quis ou permitiu que eu adoecesse e chegasse a a esse ponto.
Não sou um bem para a humanidade, mas se Adonais permitiu ou desejou que eu adoecesse gravemente, com essas consequências, alguém tem o direito de me condenar, ou me considerar inferior a outros que conseguem fazer o bem a si e a outrem?
Se se afastaram, isso fala claramente mais sobre a moral dos teus amigos e parentes do que sobre a tua.
A resposta judaica é “não deveria”.
Porque tu não estás sendo injustiçado mesmo que não “merecesse” estar doente… Mas, uma vez doente, é teu direito se sentir triste ou até mesmo bravo com D’us.
A questão, para o judeu, seria “o que tu faz com essa raiva ou com essa tristeza?” Ou, se os parentes e amigos sumiram, quem está perto? O que tu podes experimentar com essas pessoas que estão por perto?
Ou talvez seja hora de só contabilizar as coisas boas que tu já fazes, em vez de ficar se punindo por não achar que foi capaz de fazer muita coisa.
em cada percepcao ha uma conclusao o neutro ainda nao existe , e se existir pra que eli serve se e isolado.
Se para cada percepção há uma conclusão, qual é a conclusão verdadeira?
Se todas são verdadeiras, qual serve? Qual é útil? De que adianta se todas forem isoladas entre si?
Se as verdades se comunicam, há uma verdade comum entre elas?
A verdade depende da tua percepção?