Gamaliel e o templo de ferro

Este artigo continua o experimento de caminhar pelas qliphot. O início está no post anterior: Lilith e a chuva seca. Não acho que deveria publicar muitos detalhes sobre os preparativos, embora tenham me comentado que o texto anterior pareceu parar no meio do caminho. Suponho que não seja prudente publicar todo um ritual para acessar energias das qliphot, se as qliphot forem o que dizem que elas são. Mas posso dar mais detalhes se houver dúvidas específicas.

Por outro lado, os exercícios para limpeza do dia-a-dia pareceram ser suficientes. Não que eu tenha tentado manipular as energias de Lilith, mas por enquanto nenhuma influência “inferior” pareceu causar problemas.

Problemas de tradução

Gamaliel quer dizer “gamal”, upgrade, evolução, passar de nível, esforço para aprender e amadurescer, crescimento; “gemula” é investimento; -el, geralmente traduzido como “de Dus”. “Gimel”, a letra, é geralmente dita significar “doação”. Já discutimos a relação entre doação e estudo da Torah, em especial sobre a relação das tribos de Zebulon e Issacar, imagino que seja apropriado reler um pouco para entender o funcionamento desta qlipha.

Nas minhas notas, encontrei uma única referência entre Gamaliel e obscenidades. Em uma anedota sobre como os gregos se diferenciam dos judeus em sua moralidade:

O estudante de Aristóteles, o jovem Alexandre, o Grande, entrou nos aposentos do mestre sem ser anunciado e encontrou Aristóteles em “comportamento imoral”. (Honestamente, não sei o que Alexandre, o Grande, poderia achar “imoral”. Imagino Aristóteles com um par de galinhas, um bode e óleo de oliva… mas deve ser algo mais como “usura”.) Dizem que a imagem impactou sobre o jovem Alexandre de tal modo que seus olhos ficaram cada um de uma cor. Mais tarde, o pupilo veio a perguntar ao mestre: “Era aquele o modo como o grande Aristóteles, filósofo, professor, mentor, deve se comportar? Aquele era um comportamento ético?” Aristóteles teria respondido: “Quando eu ensino filosofia e sobre as maravilhas do mundo, eu sou Aristóteles. Mas, em minha vida privada, eu não sou Aristóteles.”

Duvido que essa anedota deva ser levada muito a sério.

Esfera do dia: Gamaliel — templo de ferro

O acesso à sitra ahra é feito através de projeção, primeiro em direção à Lilith, utilizando o caminho aberto no exercício anterior, marcado pelo símbolo da circunferência vermelha. Eu poderia ir diretamente para Gamaliel? Poderia, mas entendo ser necessária certa coerência para não me perder nas referências do outro lado.

As recomendações para a projeção até Gamaliel incluem abstinência sexual e privação de sono. Só posso imaginar que sejam sugestões para obter o oposto, mais vontade de fazer sexo (e obscenidades?) e mais necessidade de dormir.

Iniciei o exercício buscando a entrada para a primeira qlipha, com a imagem da circunferência vermelha. Já descrevi a primeira câmara no outro post. Atravessando as raízes que desciam do teto, visualizei uma saída para um lugar mais escuro. Eu esperava enxergar outras duas saídas, atalhos para as outras esferas, mas não vi nada nesse sentido.

O caminho saindo da câmara era estreito. Algum tipo de pedra cinzenta, quebrada em ângulos limpos. Diferente da câmara anterior que parecia áspera, mas de terra. Não vi nada no caminho além da constrição, da dificuldade de atravessar o caminho que insistia em ser justo demais, apertado demais. Não demais, mas só o suficiente para que eu pudesse atravessá-lo. O caminho meio que me obrigava a fazer curvas só porque podia.

A primeira imagem da qlipha de Gamaliel foi a de uma entranha escura. Alguma coisa se mexia em torno, pelas paredes, como intestinos. Mas as paredes eram fixas, com riscos, rabiscos, uma caligrafia embaralhada em letra cursiva. Eram mais regulares do que garatujas. Me lembrou o que dizem de não conseguirmos ler enquanto sonhamos. Não sei se é verdade.

No centro da câmara, o teto era aberto para um céu estrelado. Não acho que eu reconheceria as estrelas e constelações. Não tenho certeza de que aquelas estrelas formavam qualquer tipo de constelação. Me senti observado. Não quis olhar para cima por muito tempo.

As paredes pareciam preparada para algum tipo de ritual nada saudável. Os elementos estavam no lugar errado. Quero dizer, era uma câmara circular, não vi quatro quadrantes de jeito nenhum. A caligrafia nas paredes era negra, mas parecia simbolizar elementos sobrepostos, como as pinturas de Jackson Pollock sobrepoem cores mas ao mesmo tempo elas nunca se misturam. Imagens que a gente não consegue capturar na memória, porque são muito complexas. Mesmo que elas sejam sempre iguais, a gente não as reconhece como iguais.

Agora, escrevendo após o contato, o lugar me parece um tipo de templo, como se tivesse sido um templo há muito tempo, mas alguém passou e rabiscou as paredes com alguma magia para que fosse esquecido. Era um lugar familiar. E não era. Pensando assim, para trás, era como aquela primeira memória de alguma coisa. A primeira vez que dormiu em uma cama nova. A primeira vez que experimentou uma comida nova. A primeira leitura de um livro. A primeira vez que visitou a sinagoga, e, lembrando, ela se é familiar, mas daquela vez não era, e eu não consigo diferenciar o era e o não era. Também poderia ser um anfiteatro?

Para mim, paralelo aos “sonhos” de Yesod, em Gamaliel moram os significantes sem seus significados; não os arquétipos, mas as imagens arquetípicas, que, como queria Jung, podem ainda vir a significar qualquer coisa; só se tornarão signos na ausência de outras imagens. Como todas as imagens estão aqui, nada significam.

Escolhi a imagem do buraco no teto como parte do símbolo para retornar até aqui. Um triângulo para a aspereza, dureza do lugar. E um semicírculo como marca do local como templo incompleto ou continente ou recipiente…

A saída foi menos limpa do que da primeira vez. Saltei direto para o início de Lilith. Imaginei uma pedra fechando a entrada. Repeti: “deixei toda qlipha para trás”.

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