Bird Box qual o significado?

AVISO: CONTÉM SPOILERS DO FILME

Vou pegar emprestado a narrativa do filme pra construir uma metáfora sobre os nossos medos e o abismo da alma.

“Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.” – Nietzsche

 

Bird Box começa com a história de Melorie, uma artista apática e com problemas de criar laços afetivos. A trama se desenvolve num mundo apocalíptico em que pessoas que vêem criaturas misteriosas, cometem suicídio.

No começo do filme, vemos a irmã de Malorie, Shannon, olhar para alguma destas criaturas e após, cometer suicídio. Logo após outra personagem, na tentativa de salvar Malorie que estava grávida, enxerga uma das criaturas e fala brevemente sobre o abandono de sua mãe “por favor mãe, não vá embora”, e entra em um carro em chamas, se suicidando.

Seguindo esta lógica, podemos concluir que todos aqueles que são confrontados com seus medos, cometem o suicídio. Após o desenrolar do filme, com diversos personagens e diversas mini tramas que não contribuem muito para a narrativa, que se torna pobre e escassa de elementos mais complexos, vemos Malorie descendo as corredeiras de um rio, vendada.

A metáfora que construo a partir deste ponto, é a travessia do abismo.
A travessia do abismo, ou o trabalho magístico com as Qliphoth, podem ser descritas com alguns elementos do filme. O primeiro e mais óbvio, a confrontação de nossos demônios interiores. Assim como os personagens do filme, aquilo que se enxerga no trabalho da sombra, não pode ser “desvisto”, é um caminho sem volta. Somos tensionados coma aquilo que há de mais obscuro em nossa alma: nossos medos mais profundos, nossos vícios, nossas vontades ocultas. No filme esse choque induz as pessoas ao suicídio, pois aquele que olha para o abismo, sem reconhecer a escuridão da própria alma não conseguira viver com o horror da verdade. O trabalho da sombra nos mostra aquilo que somos no nosso interior nossos defeitos, aquilo que não queremos reconhecer e aceitar.

Durante a trama temos personagens jovens rebeldes, que fogem do lugar para um destino incerto. Temos o velho resmungão que é a voz da experiência e sempre está certo, temos a dependente emocional, que não sabe andar por conta própria, temos amores que nós encontramos durante nossa jornada, e por fim, temos a inocência da criança interior. A maioria desses elementos morrem durante a jornada. É o desapego das conexões ilusórias que fazemos durante a nossa vida. Depois de adentrar no abismo, temos que abandonar tudo aquilo que fomos, e com isto muitas relações que acreditávamos ser verdadeiras ficam pra trás. O processo de perda e desapego faz parte importante do processo de renascimento e reconstrução da nossa identidade durante a jornada magística de auto evolução.

Um ponto interessante do filme é que os lunáticos não são afetados pelas criaturas, eles vêem algo belo e querem que todos também o vejam. Isso descreve aquele que já avançou no reconhecimento de suas sombras, não enxergando mais o horror que ali parecia existir, mas a beleza daquilo que faz parte de si mesmo.

Nenhuma das criaturas durante o filme fere nenhum dos personagens. Mesmo parecendo imensos, fortes e perigosos em nenhum momento eles causam um dano direto. Assim como os nossos defeitos, nenhum deles é a causa de nosso sofrimento, eles apenas refletem em nossa consciência, todos os nossos erros, aquilo que acaba sendo um autoflagelo que cometemos no nosso dia a dia. As nossas interpretações erradas daquilo que nos cerca, cheios de porquês vazios sobre o que nós somos e representamos na nossa sociedade, são autoflagelos que nos destróem como seres humanos.

Na descida do rio, vemos Melorie fazendo de tudo para salvar as crianças. Estas representam a nossa pureza interior. Neste ponto podemos fazer uma analogia com aquilo que nós acreditamos ser, nossos dogmas morais e contratos sociais, que nos obrigamos a cumprir o tempo todo. As crianças não tem liberdade para ver o mundo como ele é, apenas seguir as regras sem entender os porquês daquele processo de autoconhecimento. O detalhe das crianças não terem nome nesta parte da trama, descreve bem a desconexão ou o próprio reconhecimento da pureza interior.

Por fim, todos os lunáticos sempre falam que as criaturas vão purificar o mundo. No fim do filme, quando ela finalmente chega ao abrigo de cegos, podemos ver que ali existe uma espécie de paraíso seguro. O lugar tem muitas pessoas cegas e outras que acompanham e convivem ali em harmonia. Esse é o ponto mais difícil de elucidar. Melorie atravessou o abismo sem olhar para seus medos, reconheceu sua pureza interior, nomeando-as com elementos do passado, Olympia e Tom. Pessoas que fizeram parte de sua vida.

Neste ponto, a minha metáfora pode ser cruel. Ela não passou pelo processo de autoconhecimento e evolução da travessia do abismo, está numa aparente segurança. Mas está rodeada de pessoas cegas, que jamais enxergarão os seus medos, talvez elas não os tenham, mas ela, neste local, está numa segurança ilusória e passageira, pois as criaturas sempre estarão do lado de fora, e seus medos sempre a acompanharão, prontos para o momento de serem confrontados, assim purificando o mundo e se tornando aquela beleza que por poucos poderá ser vista, a estrela vermelha que brilha para todos os seres.

PS: acho que vale reforçar que o texto não é em hipótese alguma uma tentativa de explicar os significados do filme (muito menos do livro que não tive a oportunidade de ler). Mas sim criar uma metáfora sobre o abismo usando elementos da narrativa.

 

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