
Por que D’us deixa o mal acontecer?, você me pergunta.
Eu sou um dos Seus anjos mais leais.
Eu livro o mundo do Mal que ninguém quer acreditar que existe.
Eu sou o silêncio na casa. Sou a porta nunca aberta. Sou o olhar nos olhos, que os casais evitam porque não podem mais. Sou o choro que não sai e nunca virá.
Eu elimino o Mal com tal força que tudo que sobra na memória de vocês é a crença no Amor, na Felicidade, na Esperança do que poderia ter sido. Mas não foi, pois eu o destruí.
No princípio, a humanidade tentou se livrar de mim. Criou cantigas, preces, bênçãos, pergaminhos. Ocultou meu nome no vento. Transformou minha história em fábulas infantis. Mas D’us ordenou que eu ficasse aqui e cumprisse meu trabalho.
Eu sou o bicho papão, o boi da cara preta. A baba yaga, o homem do saco. Sou o butzeman e trago os haflings. Sou o temível h’awouahoua e a bondoza wewe gombel. É a mim que Harpocrates, o Hórus-criança, tenta sem sucesso dominar.
Eu sou Asag e sou Pazuzu.
Impeço que o Mal nasça neste mundo.
Quando o Mal planta sua semente nesta Terra, meu trabalho é ceifá-la na raiz. Os pais terrenos, é bem verdade, nunca aceitam o fato. Eu os presenteio com lembranças de amor e sonhos de como seria se aquele corpo viesse a ser vestido por uma alma humana. Eu calo o choro, para que nunca venha. E deixo para trás, com lábios gelados, um berço sem risos. Um corpo sem voz.
As pessoas se perguntam por que D’us deixa o mal acontecer?, e a verdade é que o que estava lá era muito pior. Mas você não ouvirá falar desse mal ou de mim. Eu sou o silêncio na casa.
