
Ela se chama Jeanette no Sul do Brasil. No Sudeste a conhecem como Janete. Um amigo, vindo do Nordeste, jura que ela se apresentou como Maria João. O pessoal do Norte conta que ela era casada com o boto e vem alertar os maridos nas estradas que as esposas correm risco de serem levadas pelo homem do chapéu branco. A gente do Pantanal diz que, se ela aparecer por lá, morre de novo.
É lenda urbana comum entre caminhoneiros. Pudera, se ela viaja na boleia Brasil a fora, procurando um novo pobre diabo para levar consigo. Deve ser fácil chegar aonde quiser.
Começa com um vulto no retrovisor. O irmão caminhoneiro, cansado de dirigir o dia inteiro, segurando a vista para encontrar a próxima parada já mal iluminada, enxerga no espelho uma mancha esbranquiçada. Por um instante, pensa ser alguém pedindo carona. E se, mesmo que por descuido, levanta o pé do acelerador, a Mulher de Branco aproveita para subir na cabine.
À noite é pior. Com os olhos na pista, é difícil saber se os faróis iluminam uma árvore ou uma pessoa ao lado. Quando viram, já passou. Era uma pobre mulher em necessidade? Ou era um espírito? A maioria usa o rádio e puxa assunto com quem responder. Tudo para fingir que não está só. Dizem que ela não pode saber que você está sozinho.
Tudo piora com os gritos. A Mulher de Branco, quando a noite está silenciosa, insiste em chamar pelo caminhoneiro. Aos berros. Em gemidos estridentes. Pedidos de ajuda, lembranças de carinhos. Socorro. Carona. É tudo a mesma coisa.
A história que eu conheço me foi trazida por esse amigo do Nordeste. Ele era macho. Enterrou pai e irmãos sem derramar lágrima. Dirigia à noite, não bebia. Dizia que era pra ir mais rápido. Carregava a foto de um bode vermelho que jurava que lhe protegia. Mas essa é outra história.
Na história da Mulher de Branco, esse meu amigo chegava aqui no Sul pelas três da manhã. Descia a Serra em zigue-zague, freio motor, tudo nos conformes, quando achou ter visto uma morena vestida de branco a pedir carona lá pelos altos de São Vendelino. Meu amigo desacelerou e viu uma luzinha branca no fundo do retrovisor. Parou o toco dele no espaço mínimo que era o acostamento. Desceu. Tinha um celular vagabundo na época, mas que vinha com aquelas lanterninhas na parte de cima. Apontou a lanterninha para a estrada por onde viera. Não viu nada.
Ele me disse que era uma mulher toda de branco. Parecia ter fugido direto do altar de alguma igreja. Primeiro, ele achou que ela estivesse colhendo marcela, mas não era época de marcela. Também não era região de marcela, mas isso ele não sabia. Convidou a moça para subir no caminhão. Ela teria dito que se chamava Maria. Talvez meu amigo a levasse até Bom Princípio, na delegacia, em algum posto de saúde ou manicômio.
—Na hora que a moça subiu no meu caminhão — ele contou uma vez— ela parecia outra pessoa. Tu sabe aquelas senhoras de casa de benzedura. Ela me olhava daquele jeito. E sabia tudo de mim. Perguntou das minhas filhas. Como elas tavam, se já tavam namorando. Perguntou da doença da minha mãe. Se meu pai já tinha largado o emprego. Perguntou da minha esposa. Nossa senhora, arrepiou tudo de novo. Perguntou da moçoila que eu me aproximei em Montes Claros. Como ela sabia? Ela que disse Montes Claros, eu que não disse pra ela onde era. Ela sabia… Perguntou se minha esposa sabia da moçoila. Achei que fosse um truque, será que tava me seguindo desde lá de trás? Tu sabe que não sou de creditar essas coisas — e não era — mas me subiu um negócio pelo braço assim. E quando eu ia perguntar como ela sabia, a mulher me diz bem com esse teu sotaque sulista: “e tu achas que tua esposa fica quietinha te esperando enquanto tu viajas por esse brasilzão?” Aí ela virou fumaça bem na frente dos meus olhos. — E batia a mão no balcão do bar enquanto recontava a história. — A desgramada sumiu!
Os acadêmicos da metade do século XX supuseram que fosse história de viajantes brasileiros. Bêbados e drogados perdidos em pensamentos de traição ou de desejos por trair. Ou só solitários que precisavam se sentir importantes para alguém, já que não tinham quem os esperasse em casa. O Câmara Cascudo, que ignoraram é que o fenômeno não se dá pela solidão da estrada, mas pelo desejo projetado no espelho. Por isso, os elementos de culpa são reflexos da culpa de quem “vê” a mulher de branco.
O mais interessante é pensar que hoje todos viajamos muito mais que aqueles ingênuos motoristas de caminhão. Viajamos horas e horas, à noite, de olho em um espelho negro que reflete nossas aflições. Porque, se você desligar a tela do computador que você usa para fingir que não está sozinho, é isso que ela é: um espelho negro. E, se você olhar para essa tela por muito tempo, vai ver que ali no canto, onde você não está prestando atenção, aparece um reflexo claro, parecido com uma mulher de branco logo atrás de você.
2 Comentários
Vamo para com esses causo? Não acredito nisso, mas vindo desse site a fé de que não existe dá aquela fraquejada.
A espera da estória do bode vermelho!
Tu acreditas em árvore da vida, mas não acredita na Mulher de Branco? 😉
Qual “bode vermelho”? Estou misturando bode de sacrifício da Yom Kippur com a vaca vermelha usada para purificar o Templo?