Venci Alexandre, o Grande, em 2010. Venço Isaac Luria este ano. Ano que vem vencerei Chopin.

Alexandre, o Grande, conquistou o ocidente e morreu aos 30 anos de idade. Venci Alexandre em 2010. Ano que vem, eu chego à idade de Chopin. É interessante pensar em como deixamos essas coisas passar sem comemorar, sem enxergar grandiosidade desses fatos.

Frederic Chopin nasceu em uma aldeia pequena da Polônia, chamada Zelazowa Wola, em 1810. Compôs pelo menos 74 Opus (obras que recebem numeração) e morreu aos 39 anos. Se compôs a primeira aos 15 anos, foram menos 3 por ano. Dizem que odiava tudo que fosse lento.

Venço esse homem ano que vem.

Escrevo em vez de compor música, então começo a mirar o pescoço de Shakespeare, que vai demorar um pouco mais. Shakespeare morreu aos 52 anos. Mas chego lá com certeza. O pensador Descartes (ou seria melhor Cartesius?) está logo ali com seus 53 anos. Hegel moldou a filosofia ocidental moderna e morreu aos 61, um idoso. Não acho que chegar aos 61 anos seja um grande desafio, embora ambos meus avôs tenham falecido aos 62 e 63 anos de idade.

Não conquistei a Europa, nem compus 74 Opus, nem postulei lições basilares do pensamento moderno. Tenho dois filhos, Chopin não teve nenhum. Obtive meu doutorado à mesma idade de Hegel — embora possam argumentar que um doutorado em Filosofia na Alemanha seja muito mais difícil do que um em Teoria da Literatura no Brasil. Não sou conhecido por monarcas e clérigos, como Shakespeare, mas moro bem com minha família e meus filhos. E eventualmente alguém cita minha tese (fora de contexto, mas que seja) em algum artigo menor sobre construção de narrativas digitais. Também faço parte da religião que eu escolhi, e nem precisei mudar de nome ou abdicar de minha língua materna.

Há de contar a soma das pequenas vitórias.

Dias Temíveis

Em breve, temos no judaísmo o Rosh Hashaná (o “ano novo judaico”) e Yom Kipur, o dia do Perdão. E entre eles, teremos os Aseret Yemei Teshuva, os dez dias de arrependimento. Se a astrologia traz o “inferno astral”, para o judaísmo, estamos nos Yamim Norayim, os “Dias Temíveis”. É época de rever nossas ações e, se necessário (e sempre é necessário) praticar teshuvá para ganhar alguns pontos extras antes de Yom Kipur.

Mas não consigo deixar de ser otimista. Fazemos mais que nossos antepassados, para o mal e para o bem. Temos acesso ao Shulkan Aruch e ao Shaar haGuilgulim, ao Shaarei Kedusha e ao I Ching, ao Shaar haKavvanot e ao Liber Null, a revisões de Isaac Luria e a anotações de Aleister Crowley, a malakhim e a enochianos, ao tio Patinhas e aos 40 ladrões servidores. Todos com maior ou menor grau de eficiência, claro, a depender da crença de cada um.

Existem algumas dezenas de rituais que podem ser feitos nesses dias do reinício do ciclo anual judaico. Já escrevi sobre alguns aqui e aqui. Dessa vez, trago um mais simples: Tashlikh.

Tashlikh

Significa “arremessar”, “lançar” ou “jogar fora”.

O ritual em si é considerado, em algumas comunidades, como estando no grupo de práticas “politeístas” judaicas, apropriações que os judeus historicamente teriam feito ao se adaptar aos costumes dos outros povos com os quais conviviam.

A origem é desconhecida, embora tenhamos diversos relatos duvidosos que a justifiquem:

  • Há quem diga que, interpretando um decreto de Halicarnasso, os antepassados dos judeus faziam suas preces em direção ao mar.
  • O Zohar parece indicar que tudo aquilo que desce ao fundo do mar “está perdido”, então jogariam-se os pecados (literalmente, uma vez que a palavra é a coisa) para se perderem no fundo do mar.
  • Em Michah/Miqueias 7:19: “e lançarás (tishlikh) todos os seus pecados nas profundezas do mar”.

A prática caiu em desuso principalmente porque grande parte dos estudiosos judaicos viam os praticantes se livrar de pecados como se o arrependimento emocional, moral e espiritual não fosse igualmente necessário.

Neste Rosh Hashaná, tenho a oportunidade de contabilizar minhas pequenas vitórias, por em perspectiva o caminho que percorri, visualizar novas oportunidades. Convido todos a fazer o mesmo. Cada caminho é único. Não há gares na vida. Precisamos fazer nossas próprias paradas.

Isaac Luria, aliás, morreu aos 38 anos. Estou vencendo-o. Vez em quando alguém comenta que só se deveria aprender cabala a partir dos 40. Luria nunca chegará lá. A linhagem dos cabalistas traz desafios mais difíceis. Abraham Abulafia chegou apenas aos 51 anos. Baal Shem Tov viveu aproximadamente 62 anos. Maimônides viveu até os 69 anos. Rambam até os 76. Vilna Gaon até os 77. Baruch Ashlag chegou aos 84.

“Um jovem pode pensar que o progresso é aquilo que lhe permite enviar recadinhos pelo celular ou voar barato para Nova Iorque, enquanto o fato surpreendente (e o problema não resolvido) é que, se tudo correr bem, ele só precisará se preparar para ser adulto aos 40 anos, enquanto seus antepassados tinham de fazê-lo aos 16.” (Umberto Eco)

Umberto Eco, aliás, chegou também aos 84. Vai ser difícil, mas não inimaginável. Conto quando chegar lá.

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