Quando lemos a palavra “runa” atualmente, logo pensamos nos antigos alfabetos germânicos e na sua atual associação com forças magísticas. É atribuído um caráter sagrado e mistificado aos caracteres, muitas vezes se alegando um embasamento em lendas e poemas. Porém, quando olhamos estes textos em seu idioma original e verificamos usos antigos para a palavra “rún”, podemos obter uma nova interpretação que vai além de uma ideia sobre “letras mágicas” e abre muitas possibilidades.
Imagem destacada: Nataša Ilinčić

Dedicado àquele chamado de “Galdraföðr” e “Hrafnáss” entre seus muitos nomes, que nos oferece as Runas.
As palavras são chaves que abrem conceitos, ideias, entendimentos. Entender a origem e evolução de uma palavra ajuda a compreender mais profunda e corretamente o que uma coisa significou ou significa em determinada cultura. Muitas vezes ideias que superficialmente parecem compreensíveis em si mesmas, aprofundando-se em sua história, revelam nuances inimagináveis que nos aproximam do acesso a um mistério, uma runa.
Mas, o que seria uma “runa”? Em boa parte dos idiomas germânicos atestados a palavra surge, vinda do proto-germânico *rūnō, o qual significa “segredo, mistério”, a partir do qual se deriva o segundo significado, como “letra, caractere do alfabeto rúnico germânico”. Nos idiomas germânicos, *rūnō deu origem ao termo gótico rúna, “conselho, mistério”; o saxão antigo rúna, “conselho, conferência”; o alto-alemão antigo rûna, “sussurro, mistério, letra”. Todavia, os sentidos dos derivados de *rūnō parecem sempre mais associados, primeiramente, a mistério, e só então a algum tipo de símbolo gráfico. Isso fica mais evidente analisando os derivados de *rūnō nos dois idiomas germânicos mais bem preservados: nórdico antigo e inglês antigo.
Em nórdico antigo, segundo o dicionário Zoega, rúnar, no plural, significa “segredo, conhecimento/tradição/história oculta, sabedoria”, ou “caracteres escritos” os quais poderiam ser mágicos ou não; a palavra, no singular, refere-se a uma “amiga íntima” e não a uma letra ou caractere rúnico. Em inglês antigo, segundo o dicionário Bosworth-Toller rūn é um “sussurro”, uma “fala que não pretende-se que seja ouvida”, uma “confidência, conselho, consulta”, mas também um “mistério segredo” ou “algo que foi escrito”, com ideia de mistério ou magia, e então “um caractere rúnico, uma letra”. Para uma análise detalhada dos aspectos etimológicos envolvidos, leia aqui.
Tendo isto em mente, podemos começar a falar efetivamente de runas no contexto magístico. Para compor um sistema rúnico, muitas vezes costumam a se referir ao poema “Rúnatál”, parte do “Hávamál” (que pode ser lido em versão bilíngue aqui), que descreve a auto-imolação de Óðinn que teve como resultado a descoberta das runas. Normalmente ele é interpretado como descoberta do alfabeto e seu uso magístico, atribuindo uma inerência mágica e caráter sagrado aos símbolos (algo discutido nesse texto). Mas conforme mencionado “Rúna” pode significar “Mistério”, “Conselho”, experimentem reler os versos 139 e 142 substuíndo “runa” por estas palavras; podemos nos atentar inclusive ao fato que que em um dado momento Óðinn pára de falar sobre “runas” e começa a mencionar “letras” (“stafir”, em nórdico antigo). Quando consideramos que as partes que antecedem o Rúnatál são sobre conselhos diversos, podemos dizer que ambas são completamente sobre “runas”.

Quando tomamos como “Mistério”, podemos entender esta palavra como “saber a ação correta para o momento correto” – aquilo que aprendemos através da vivência e observação, a sabedoria. Dentro da magia, um “Mistério” é um conhecimento transcendente que não pode ser expresso por meios racionais, cujo um dos meios de acesso é o ritual. Óðinn encontrou primeiro “os Mistérios” e depois escreveu “letras poderosas” – então podemos entender este trecho como o áss buscando um meio de registrar por escrito e poder acessar facilmente todo aquele saber sublime. Um olhar atento poderia até encontrar um paralelo entre esta descrição e uma sigilização caoísta, onde partindo de um Intento ou conceito complexo é criado um glifo para concentrar sua energia.
Tendo em mente que o Mistério deve anteceder a “letra”, o grande feito do Poderoso Sábio não foi “descobrir um alfabeto” e divulgar este como a fonte da magia – mas sim descobrir os segredos mais sublimes sobre ela. O glifo poderia ser qualquer um, é apenas um apoio para as nossas Mentes encontrarem mais facilmente aquilo que ela não é capaz de expressar. É assim que encontramos “palavras e proezas através de palavras e proezas”. Óðinn não nos presenteou com um um alfabeto mágico, mas sim nos inspira a buscarmos as Runas – os Mistérios – e os vivenciar, torna-los parte de nós, internalizarmos.
Repensem aquilo que é “sagrado” e essencial na prática de vocês. Não confundam uma representação que é um mero lembrete com o “Mistério” em si. Se quiserem cantar as canções mágicas e desenhar seus símbolos, apenas poderão depois encontrar as “Runas” – os “Segredos” que de tão profundos, não podem sequer serem pronunciados!
Sjáumst bráðlega!