A magia é um ato de criatividade, o que lhe rendeu o nome “A Arte”; porém também é o estabelecimento de uma comunicação entre a nossa Vontade e o nosso entorno. A relação entre magia e as artes é antiga, e observar a forma que se entrelaçam pode nos render pensamentos interessantes. Colocaremos aqui algumas ideias envolvendo este diálogo principalmente nas artes visuais.

Para não entrar no duvidoso referencial neolítico, podemos apenas afirmar que é natural do ser humano tentar reproduzir não apenas o que vê no seu entorno como também dar forma a conceitos abstratos. Passando por hieróglifos, por estátuas da Antiguidade Clássica e quadros renascentistas, várias imagens que criamos carregam mais do que a representação óbvia e usam ícones para expressar ideias complexas. Ainda é possível mencionar brevemente os kanji da Ásia, um extenso alfabeto pictórico derivado de imagens simplificadas e que possui suas próprias formas de caligrafia artística (inclusive de sigilização, procurem!).
Mesmo com esta noção parecendo ser inerente, a figura do “artista” sempre foi mistificada e associada com a capacidade de ouvir “sussurros divinos”. Entre povos como os celtas e germânicos; para ambos, a criatividade envolvia uma energia que não apenas era mágica como também extasiática. A figura do “artista” entre eles era a do bardo/poeta, e enquanto para os celtas ele era afetado pela “awen” (“inspiração”) e assim também adquiriria dons mágicos, para os germânicos ele seria tomado pelo “óðr“; palavra de difícil transposição aos idiomas contemporâneos, se referindo a “fúria” mas também a “inspiração”, podendo se estender para “mente” ou “espírito – mas sem dúvidas, trata-se de um estado de êxtase e o skáld várias vezes foi associado com capacidades mágicas. Não era incomum vermos que estes poetas deveriam ser “tocados pelo divino” ou nascerem com algum tipo de vocação para exercer suas artes, que de tão sublimes atingiriam o status de magia. Entre os greco-romanos, existiam as “Musas” enviadas por Apolo para sussurrar ideias e inspirar jovens poetas. Hoje em dia ainda encontramos grandes resquícios dessas noções dos antigos, quando vemos menções a um artista ter algum tipo de “talento nato” ou até pessoas acreditando que isto vem “de Deus”; e entre os magistas, sempre surge algum sistema que só poderá ser praticado por aqueles de uma determinada linhagem, ou posição que só será assumida por aqueles que “nasceram com o dom” ou uma “missão divina”.

Mas por quê um poder tão grande estaria nas mãos do artista, do poeta? A nossa Mente precisa de símbolos, figuras e linguagens para interagir com o universo ao seu redor, sendo que já discutimos como uma única palavra pode mudar toda a nossa percepção. O poeta muitas vezes carregava o conhecimento sobre os deuses e o mundo espiritual, transmitindo por histórias; mas também toda a sabedoria sobre eventos ocorridos e o cotidiano, podendo transformar qualquer coisa no feito mais épico de todos ou na maior vergonha já vivida. Estava depositada em sua criatividade o poder de moldar toda a realidade consensual a sua volta! É um trabalho similar ao que hoje recai sobre o marketing, por exemplo, manipulando os símbolos e impressões para impactar a nossa percepção da realidade.
Toda essa manipulação simbólica e sensorial é extremamente parecida com o trabalho magístico. Assim como atingimos gnosis para interagir com o sutil, o momento da criação e a interação do mundo com a obra também é um processo de êxtase. A arte nos toca, informa, emociona, causa catarses. Escrevemos e descrevemos a realidade consensual através dela. Como diferenciar o trabalho artístico ou mesmo o marketing e o design (a versão mundana da sigilização…) da prática magística?
Para a Order of Apep, um magista avançado atingiria o grau de “Black Magus” e se tornaria capaz de executar magia apenas através de sua Vontade, dispensando ritualísticas elaboradas; isto viria de uma compreensão de tudo ser um “ato de magia” onde seu Ser pode ser impresso. O “porém” está justamente que quando tudo se torna mágico, isso também significaria que nada o é; só podemos distinguir quando uma dualidade ou critério de diferenciação existe, o que acaba levando muitos magistas a uma crise de Imaginação que torna suas práticas com o sistema que estava acostumado ineficazes. Existe ainda o risco de começar a enxergar efeitos grandiosos em todas as coisas, ou ficar paranoico achando que tudo está sempre tentando o atingir com algo com o mesmo poder de um feitiço. Seria mais adequado dizer que o magus está enxergando o potencial mágico em todas as coisas, podendo agora efetivamente filtrar aquilo que irá aproveitar (e tornar “mágico”) e o que não é útil para si.

Um excelente exemplo de aproveitamento desse potencial está na “pop-magick” proposta por Grant Morrison. Ao mesmo tempo que ele traz uma luz sobre a possibilidade do magista se apropriar de ícones mundanos e torná-los um sistema prático de magia (algo que historicamente ocorreu com o tarot e as runas, por exemplo), também propõe uma observação mais atenta das egrégoras formadas na cultura-pop. Seu trabalho também inclui a ideia de “hiper-sigilo”, com muitas associações da propagação de um logo e do marketing com uma prática de sigilização; seu quadrinho “The Invisibles” teria sido uma grande operação dentro desse conceito, envolvendo inclusive a utilização da egrégora formada pelos leitores para impedir seu cancelamento.
Podemos entrar ainda no quesito de que normalmente a arte afeta apenas as pessoas, enquanto a magia é capaz de influenciar diretamente o macro. Se a magia só é capaz de atuar no campo psíquico ou realmente desdobrar acontecimentos externos, prefiro deixar parte da crença e paradigma que cada um optar por seguir. Como estou dentro do paradigma pagão, sigo a definição de que pode sim afetar o macro pois atinge diretamente a wyrd.
Inflamem-se com o êxtase, e permitam enxergar a realidade como mais do que ela oferece. Tomem para si os potenciais, e componham a magia da mesma forma que uma obra de arte. Faça com que seus atos seus ouvidos por todo o Universo, e não permitam que ele ignore!
-Ravn