Um mago judeu — digo — um rabino, profundo estudioso da cabala, entrou pela porta da sala de aula.
Viera visitar a escola algumas vezes antes e hoje estava interessado em saber como as crianças estavam se comportando em seu aprendizado das letras. A turma era de alunos pequenos. Nas escolas modernos, os alunos estavam divididos por idade. Muito diferente das escolas onde o rabino estudara. A turma era só de crianças pequenas que cochichavam assustadas tentando descobrir o que o rabino era.
— O que estão aprendendo hoje, professor? – perguntou o rabino.
— Estamos conhecendo o alfabeto, rav. – respondeu o professor, enquanto tentava fazer os alunos sentarem quietos em suas cadeiras.
— E como seus alunos estão indo? – continuou o rabino, sabendo que a resposta não seria a melhor.
– Bem, eles são pequenos, rav. Não sabem bem a importância das letras ainda. Estou explicando aprender tudo o que quiserem quando souberem ler. Mas, para isso, precisam aprender as letras direitinho.
O professor tinha um ar paternal, que pareceu infantil para o rabino.
– Não, não. Não é nada disso. – o rabino falou alto e grave, chamando a atenção das crianças e assustando alguns dos pequeninos desavisados.
– Rav, claro que são importantes.
– Por favor, professor, deixe que eu conte uma história… Vocês sabem o que é magia, crianças? Então, uma vez, existiu um homem que queria ler exatamente para isso, para aprender todo tipo de coisas no mundo. E o que ele queria era dominar a “magia”. Esse homem era um cabalista.
O rabino fez uma pausa dramática e sentou na cadeira do professor.
– Ele encontrou um livro que o ensinava a ganhar dinheiro e, sendo muito esperto, usou o dinheiro para comprar mais livros. Comprou todos os livros de cabala que pode encontrar. Quanto mais livros, mais poderoso, mais rico ele ficava e mais livros de cabala ele comprava.
O rabino gesticulava largo.
– Para tudo ele encontrava palavras mágicas. Seus livros tinham todas as respostas. Se a esposa de alguém não podia ter filhos, cabala! Se a plantação não vingava, cabala! Se os negócios iam mal: cabala!
As crianças achavam engraçado.
– Cabala cabala cabala!
O rabino fez outra pausa e sorriu para o professor. Retomou a história com o dedo indicador em riste.
– Mas o cabalista ficou arrogante. E se descuidou. Um dia, um grupo de bandidos atacou o homem. Rapidamente, separaram o cabalista de seus livros, o espancaram e o levaram para o meio da floresta, onde ele foi deixado para morrer.
As crianças pareciam assustadas.
– Rav! – interrompeu o professor. – Essa história, ahm, não parece apropriada…
– Mas é claro que ele não morreu. – o rabino retomou rapidamente. – Por que eu contaria uma história que acaba assim? O homem sobreviveu. Passou dias e dias sozinho na floresta. Ele não conseguia encontrar comida. Não conseguia encontrar seu caminho de volta. Estava ficando magro, os lábios doloridos e secos, mal conseguia caminhar.
– Rav!
– Então, o homem se deu conta de que na verdade não sabia de nada. Não havia aprendido nada com os livros. Nada nada nada.
– Rav… – o professor disse impaciente, mas não foi capaz de parar o rabino.
– Foi então, com suas últimas forças, que ele teve uma ideia brilhante. Juntou as mãos sobre o rosto e disse: “Abençoado Senhor, Rei de Tudo, me tiraram todos os meus livros, eu não sei nenhuma prece. Mas o Senhor tem tudo e conhece todas as preces. Então, eu lhe darei as letras e imploro que as coloque na ordem necessária.”
O rabino fez um sinal com a mão para o professor que compreendeu de pronto.
— Sim, sim. Ajudem crianças! Vamos lá: alef bet guímel dalet he vav zayin het tet yod kaf lamed mem nun samek ayin peh tsadi qof resh shin tav.
– Muito bem, muito bem! Vocês todos estão salvos!
1 comentário
Muito bom! Adoro estas histórias.