Cabala Judaica #17: Malkuth embaixo, Malkuth em cima

Cada autor, cada pesquisador da cabala, cada aluno em suas anotações usa das ferramentas que possui para descrever as esferas da Etz Chayim. Malkuth, talvez seja a menos polêmica das esferas. Malkuth é onde tudo se materializa. Malkuth é onde a energia manifestada nas outras esferas “existe” (no sentido corriqueiro da palavra) ao mesmo tempo. Nas palavras dos grandes cabalistas que chegaram até nós, Malkuth foi usado para descrever outras esferas.

O desenho da letra Alef e seu significado são usadas assim. Alef seria desenhada com dois Yod, duas esferas, uma acima e outra abaixo de um Vav, representando a fé judaica que une o que há acima e o que há abaixo. O Yod de cima é chamado “Malkuth de cima” e serviu de referência, em momentos distintos, às três mais difíceis de serem entendidas: Kether, Chokhmah e Binah. A frase significa principalmente que há um “mundo” completo visto da perspectiva destas esferas. Mas pouco descrevem sobre as esferas em si.

Kether como o mundo de Paz. Kether é descrito como um estado de Paz pleno. Sentimento de união com o todo e ao mesmo tempo desaparecimento de tudo. Um estado onde não há conflitos de quaisquer formas. Não há guerras, como na “vinda do Messias” judaico. Mas também não há atrito, literalmente, atrito físico. Pois não há, também, limites entre as coisas para que elas tenham o que atritar…

Kether é um toque de Renúncia, de Florbela Espanca.

A minha mocidade há muito pus
No tranquilo convento da tristeza;
Lá passa dias, noites, sempre presa,
Olhos fechados, magras mãos em cruz…

Lá fora, a Noite, Satanás, seduz!
Desdobra-se em requintes de Beleza…
E como um beijo ardente a Natureza…
A minha cela é como um rio de luz…

Fecha os teus olhos bem! Não vejas nada!
Empalidece mais! E, resignada,
Prende os teus braços a uma cruz maior!
Gela ainda a mortalha que te encerra!

Enche a boca de cinzas e de terra
Ó minha mocidade toda em flor!

Chokhmah como o Paraíso. Chokhmah é descrito como o Pardes, o Paraíso. Esse paraíso é o lugar onde nós já temos noção de existência distinta (ao contrário de Kether). Mas ainda não temos ideia de conflitos (oposições, negações ou contradições). Todo animal de floresta é já outra floresta inteira.

Outra forma de ver seria dizer que Chokhmah e o Malkuth onde as diferenças não importam. Cada ser poderia viver em seu mundo, conforme as próprias regras, sem interferir na liberdade dos outros.

Chokhmah é a reflexão de Eu não vou perturbar a paz, Manoel de Barros.

De tarde um homem tem esperanças.
Está sozinho, possui um banco.
De tarde um homem sorri.

Se eu me sentasse a seu lado
Saberia de seus mistérios

Ouviria até sua respiração leve.
Se eu me sentasse a seu lado
Descobriria o sinistro
Ou doce alento de vida
Que move suas pernas e braços.

Mas, ah! eu não vou perturbar a paz que ele depôs na praça, quieto.

Binah como aeon. A palavra Olam, “mundo” em hebraico, não se refere apenas ao espaço, mas também ao tempo. É um conceito próximo ao de “Aeon” ou, de forma mais simples, ao de “Era”. Binah sempre me traz à mente a história da discussão entre Shammai e Hillel. A disputa sobre quais interpretações da Torah seriam as corretas se estendeu por tanto tempo e parecia tão insolúvel que os Céus se abriram e uma voz divina foi ouvida dizendo: “Ambas as interpretações são palavras do D’us vivo, mas a Halacha concorda com Hillel”.

Ou seja, a Torah permite diversas interpretações quando queremos definir leis e costumes: a Halacha. A Halacha, contudo, precisa ser um sistema consistente e coerente de leis e costumes. Não pode haver conflito dentro da Halacha. O mesmo para o funcionamento do mundo, da era, do aeon. Há milhares de mundos possíveis, em Chokhmah. Em Binah, as leis desses mundos possíveis precisam estar em harmonia. Porque, em Binah, estamos compartilhando um mundo, uma realidade.

Binah é o mundo do Ou Isto, Ou Aquilo, Cecília Meireles.

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

Shbaa.

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