O Mago Adoentado

O Mago Adoentado

Ou

Magia não é tudo isso que você pensa.

 

Eu ao ler mais um texto do tipo “torne-se um deus vivente por meio da magia!”.

Algumas vezes, aqueles no caminho da magia, qualquer que seja sua escola mística de preferência, se veem sutilmente atacados pela incredulidade e deboche alheios.

Frases como “se você é mago/médium porquê não faz uma magia para curar esse seu problema? ”, ou ainda “nossa, sendo tudo isso você nunca deve ficar resfriado eim?”. Uma pena que esse deboche não afete meramente orgulhos e egos, mas que sim contenha em si uma ignorância conceitual, que hoje desejo discutir.

A ignorância quanto ao poder da magia e dos magos.

 

Bola de fogo! Só que não.

 

Magia

Para esse texto, consideremos como magia quaisquer efeitos não-físicos que interfiram de fato no plano físico. Ou seja, não somente rituais com roupas cerimoniais e espadas curvadas como um raio, mas também práticas como mediunidade, reiki, qigong, homeopatia, cristaloterapia, xamanismo, ectoplasmia, fluidificação da água, e até mesmo psicologia, hipnoterapia e o efeito placebo.

Por que colocaria eu o Efeito Placebo como um tipo de magia? Porque ele cumpre os requisitos da conceituação presente: É o uso da crença, fé ou de outra forma capacidade de acreditar para se modificar o corpo físico a partir da ingestão de substâncias inertes. Sabendo-se que, pela definição psicológica, a mente humana é uma entidade diferenciada do cérebro, que podemos até mesmo dizer ser não-física e composta de impulsos ou de outra forma energias, psicologia, programação neurolinguística, hipnose e, é claro, efeito placebo são todas formas de se afetar o plano físico a partir do uso de algo não-físico – portanto, formas de magia.

 

O PODER!

 

O Poder da Magia

O quão poderosa pode ser a magia?

Diferentes escolas místicas darão diferentes respostas, mas as mesmas variam, normalmente, de simples reprogramações mentais para se obter maior eficiência na vida diária a efeitos quase circenses, incluindo a capacidade de voar nos céus ou conjurar raios dos céus. Por minha experiência pessoal, já tive contato com vários níveis mais simples. Coisas como fazer chover ou ventar meramente com a movimentação dos corpos sutis e energéticos, por exemplo, presenciei mais de uma vez. Coisas como precognição, hipnose, regressão, memórias de vidas passadas, cura por meio de imposição de mãos ou uso de florais de Bach, dentre outros similares, igualmente também já presenciei – tendo inclusive realizado algumas dessas. Já efeitos mais extremos, como materialização ou desmaterialização de objetos, transes onde há mudança da cor da pupila do médium, dentre outros similares, ouvi como relatos de pessoas confiáveis.

Em outras palavras, diversos efeitos que poderiam ser ditos impressionantes. Assim, não sou cético com relação a existência de magia absurda e de grande impacto, como, digamos, materialização de espíritos ou remoção de cânceres por meio de cirurgia espiritual.

Os ditos “milagres”, a meu ver, existem.

 

 

Mas Então Por Quê ?

Na data da escrita deste texto, vi no Facebook uma postagem que muito me incomodou. Um artigo de jornal lia a seguinte manchete: “médium João de Deus é salvo pela medicina de um câncer”. O comentário do compartilhador da reportagem, então, foi ainda mais interessante:

“E ainda há pessoas que acreditam em homeopatia, astrologia (…)”.

Bem, admito que é uma dúvida razoável. Se a magia tem tanto poder, por que um médium dito curador de inúmeras doenças, inclusive de cânceres, se submeteria à medicina terrena? Por que não pedir aos espíritos que o curassem como ele teoricamente curou a outros?

Minhas opiniões quanto a João de Deus ficarão para outro post, mas vale a pena explicar que…

 

 

 

Mago Não é Semi-Deus

Magia é algo complexo que normalmente demanda anos de estudos e práticas, além de apadrinhamentos e recursos por seres espirituais, para ser razoavelmente controlada.

Muitos magos estão procurando aprender a magia há muitas vidas, inclusive esse que vos fala. E, em muitas delas, como acontece comigo, o controle da magia em si se mostra difícil – sendo que ela facilmente escapa pelos dedos. Assim, o primeiro e mais importante motivo pelo qual nem todo mago consegue curar a si mesmo é meramente porque nem todo mago consegue controlar sua magia a todo tempo.

Lembro-me de um comentário em um texto, a muito tempo atrás, onde o autor dizia, não com essas palavras, mas com um significado aproximado:

“Fui ao evento esperando ver coisas fantásticas. Contudo, ao presenciar um dos auto-proclamados maiores magos do caos do brasil quase morrer de infecção alimentar após comer um lanche estragado, me conformei em tomar algumas biritas e abandonar o evento de vez.”

Magia do caos é um tipo de magia altamente psicológica, que se baseia no uso forte da Vontade para obter estados alterados de consciência, onde a percepção e alteração dos elementos sutis que rodeiam a coisa que se deseja alterar com a magia se torna possível. Em teoria, a dor e o desconforto de uma infecção alimentar poderiam ser usadas para esse feito. Na prática, o mago em questão ainda é um ser humano, que muito provavelmente não teve a capacidade, ou sequer a sagacidade, de pensar em atingir um estado de gnose usando sua dor enquanto vomitava.

A maior parte da magia do caos, de fato, baseia-se nas técnicas de construção de sigilos tais quais as desenvolvidas por Spare. Tal construção requer uma mente calma, uma vontade focada e normalmente é feita após o mago adentrar um estado mental “empoderado”, onde sente-se em controle de si mesmo e consegue, graças a esse alinhamento de seu ego com seu desejo, influenciar a própria mente sem temer pelos riscos inerentes à realização de magia – que põe em risco, em primeiro lugar,  a capacidade do mago de conviver no mesmo ambiente e sob a mesma lógica dos seres humanos de nosso tempo.

Em outras palavras, a grande maioria dos magos, sejam do Caos ou de inúmeras outras vertentes, se tornaria inútil perante uma doença súbita. De fato, até mesmo magistas que se utilizam de dor, sofrimento e incômodo para suas práticas, ao serem subitamente atacados por elas, podem falhar em usá-las – visto que a dor ritual é esperada e empoderadora, enquanto a dor súbita da doença costuma ser inesperada e depredadora da vontade e do senso de poder pessoal – necessários a muitos sistemas de magia.

Claro, há exceções. É possível treinar-se para obter o controle magístico nessas situações, e médiuns são notáveis exceções a esse tipo de problema – havendo inúmeros relatos de médiuns que, tomados subitamente por doença, entram em transe e são curados pelos espíritos que canalizam. Porém, mesmo médiuns não têm sempre o apoio dos espíritos. As justificativas para tal são diversas, mas a mais comum de se ouvir é a de que a doença era esperada e é bem-vinda do ponto de vista dos espíritos.

Algumas vezes, de fato, constitui-se essa doença um teste pelo qual o médium ou magista deve passar – seja aprendendo a controla-la, a curar-se, ou simplesmente experimentando um certo conjunto de sensações e situações que, espera-se, gere mudanças emocionais e mentais no médium. Assim, fica claro – por inúmeros motivos, magos, médiuns e magistas em geral podem até mesmo ter um enorme poder – mas isso não significa que sejam semi-deuses, do topo de seus castelos imortais, dominando toda a existência mundana.

Afinal, diz-se que Siddartha Gautama, o Buddha, morreu de diarreia. Morreu quando tinha de morrer, claro, sabendo de sua morte e pronto para ela. Mas ainda assim, a forma pela qual morreu foi totalmente mortal e humana. Dito isso…

 

Dúvida justa vai.

 

O Erro Humano É Constante

Talvez a parte mais difícil de se aprender magia não seja efetivamente aprendê-la. Há muitas coisas que podemos considerar magia e que, sinceramente, são naturais e reflexas do ser humano. Caso tenhamos apenas um pouco de atenção ao que fazemos na esfera do sutil, é possível aprender, de forma intuitiva e por experiência empírica, muita coisa que pode ser considerada magia. Porém, o estudo estruturado da magia é, muito provavelmente, um sonho.

Mesmo ordens discretas, como a Maçonaria e a Rosacruz, e mesmo ensinamentos vindos diretamente de seres espirituais, como aqueles obtidos em projeção astral, raramente são didáticos ou livres de confusões e simbolismos desnecessários.

Aprender magia, em nosso tempo, é um esforço constante de desvendar o que o instrutor quis dizer ao passar o ensinamento. E o fato de que não há um vocabulário de uso geral e aceito, uma espécie de ABNT da magia, torna isso ainda mais complicado e confuso, enquanto aprende-se um sistema mágico cujas medidas e vocabulário podem ser metaforicamente representadas por pés e outro onde as medidas e vocabulário podem ser representadas por unidades métricas astronômicas. Talvez por isso tantas pessoas interessadas em mistérios e desafios mentais se aventurem no ocultismo. E, certamente por conta disso, o conhecimento torna-se tão mais difícil de ser absorvido do que outros conhecimentos de igual complexidade. Dentre os magos e magistas, o mal-entendido e o meio-entendido costumam ser a regra, e não a exceção.

Mas o erro não está sempre no mago, visto que as vezes…

 

Acontece.

 

A Magia Simplesmente Falha

Uma assunção interessante de algumas pessoas parece ser a de que magia é algo perfeito.

Confundem, talvez por influências do cristianismo que permeia nossa sociedade, magia com intervenção divina. Ora pois, mesmo que haja, às vezes, intervenções divinas na magia, mesmo assim ela pode falhar. Não somente há diversas classes de seres que podem ser considerados deuses, dependendo da interpretação de cada um do que significa o termo, como mesmo os mais poderosos seres ainda são, no fim, falíveis.

E àqueles que acreditam em um deus perfeito e infalível, sinto desapontar. Assim como os muitos papas, cuja palavra teoricamente seria infalível, mesmo os mais devotados magos cristãos, e por que não dizer até mesmo os mais santificados santos cristãos, falham por vez ou outra. Não há inefabilidade no reino da magia. E, se alguma espécie de ser inefável existe, obviamente a perfeição – que é um conceito compreensível e portando não inefável – não deve fazer parte das características desse ser.

Assim, um dos principais motivos pelos quais muitos magos e até mesmo entidades de maior calibre, quando chamadas a demonstrar seu poder, falham, é esse – assim como as vezes falham a medicina, a engenharia e o direito, também as vezes falha a magia. Podemos argumentar que isso ocorre por falta de um conhecimento mais profundo quanto às leis e forças em jogo, ou dizer ainda que é culpa de quem fez a magia, pois parece que ela falha mais com alguns magos do que com outros, mas, ainda assim, todos estão sujeitos a falha eventual.

Isso sem contar que…

 

 

Substitui uma porrada de magia.

 

Magia as Vezes Não Vale a Pena

Digamos que você possa escolher.

Desenvolver sua capacidade espiritual por anos, até o ponto de poder botar fogo em pedaços de palha apenas usando seu qi, ou usar um fósforo para isso.

Qual dos dois é mais efetivo?

Não mais bonito, não o que dá mais vontade de ter porque parece ser uma coisa de outro mundo que te tornaria especial e poderoso, controlador dos elementos.

Não.

Apenas o mais prático, simples e rápido.

O fósforo, claro.

A magia demora anos, requer esforço imenso, e para ser capaz de usar seu qi para acender um pedaço de papel sem desgastar-se e adoecer-se, ainda é necessário manter uma rotina rígida com uma dieta específica – basicamente uma vida monástica. Já fósforos são comprados em caixinhas com cinquenta por uma quantidade irrisória de papel moeda, sendo essa quantia relativamente fácil de se obter – nem que seja por meio da mendicância.

Isso exemplifica bem o porquê de, em alguns casos, magia não ser usada – mesmo caso possa ser usada. E talvez um dos mais gritantes exemplos disso seja no que diz respeito às magias de materialização e desmaterialização de objetos. Para que sejam realizadas, independentemente da escola mística que se siga, ou é necessária grande quantidade de recursos e mobilização de inteligências, ou é necessário um nível de consciência e desenvolvimento espiritual gigantesco.

Exceto em raras ocasiões, aparentemente não vale a pena, para um ser que possua esse poder, utilizá-lo gratuitamente. Mesmo que os desejos humanos certamente sejam de que se materializem ouro e pedras preciosas, ou de que os espíritos deem à pessoa o poder para ter tudo que imaginar, por que fariam isso?

Espíritos sorteando pessoas como em uma loteria, dando a elas poderes inimagináveis só “porquê sim” ou “porquê quero que você tenha tudo que quer”, parecem ser algo extremamente raro – se não inexistente. E o principal motivo para isso é porque, assim como no caso do fósforo, simplesmente não vale a pena usar magia para essas coisas. Como bem ilustra o caso da evocação de Toth por Aleister Crowley, para aqueles que desejam uma referência externa a esse argumento.

Assim…

 

Cabeça na lua, mas pés bem firmes no…

 

Concluímos

– Que a magia pode ser poderosa, mas que isso não significa que todo mago o é ou mesmo que, o sendo, possua controle sobre o próprio poder a todo momento, podendo usá-lo a seu bel prazer;

– Que aprender magia é anti-didático, e, portanto, há mais magos despreparados para usarem-na eficientemente do que preparados;

– Que há ocasiões onde o mago falhará ou sofrerá porquê isso é uma forma de se obter algo;

– Mas que também há ocasiões onde falhará ou sofrerá porquê algum erro ocorreu, seja esse erro de sua parte ou da parte de outrem;

– Que há vezes em que a magia falha e ninguém sabe muito bem porquê. Ela simplesmente falha;

– E que as vezes simplesmente não vale a pena usar magia para algumas coisas.

 

Dito tudo isso, meus amigos, não desanimemos. A magia é divertida e um caminho cheio de surpresas interessantes. Progredir é bom e necessário, então, sigamos em frente – aprendendo com os erros, pesquisando e experimentando até encontrarmos as melhores explicações para como funcionam os rituais e, enfim, deixando um legado mais didático e estruturado atrás de nós.

Afinal, somos magos.

As vezes saudáveis, as vezes adoentados, mas magos.

Deixemos um legado de acordo com nossa posição.

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