Platinorum Recomenda #3 – O Último Reino

Primeiro volume da série “As Crônicas Saxônicas”, O Último Reino se destaca não apenas por suas cena de batalha como também pelo cuidado que seu autor, Bernard Cornwell, teve ao retratar os costumes das sociedades dinamarquesa e saxã convivendo na Inglaterra do século IX. É muito recomendado para aqueles que querem uma perspectiva histórica sobre o paganismo e um período que ficou gravado em lendas posteriormente.

Bernard Cornwell é um escritor britânico focado em romances históricos, onde personagens fictícios acompanham eventos e personalidades reais; e com as Crônicas Saxônicas, iniciadas em O Último Reino, decidiu retratar a sua versão do processo que transformou diversos reinos e povos na Inglaterra. Acompanhamos a visão de Uhtred, último na linhagem de senhores da fortaleza de Bebbanburg na Nortúmbria, que apesar de ter sido criado no cristianismo nutria um fascínio infantil pelos pagãos após ouvir que seria descendente do deus Odin. Quando tinha 9 anos e os dinamarqueses iniciaram sua campanha de conquista atacando Eoferwik (atual York), Uhtred fica órfão e é tomado por Ragnar, um dos senhores que lideraram o ataque. Ragnar o criou como seu filho, fazendo com que ele cresça entre os dinamarqueses e adote enfim a religião pagã; porém uma traição o obriga a fugir para Wessex e jurar lealdade a Alfredo, um rei fervorosamente cristão.

A fortaleza de Bebbanburg
A fortaleza de Bebbanburg

Podemos dizer que O Último Reino é principalmente uma história sobre fé, com Uhtred se sentindo dividido entre a religião e o estilo de vida que tanto se identifica entre os dinamarqueses e o patriotismo e herança familiar com os saxões. Os costumes pagãos são todos explicados no decorrer da narrativa, com perspectivas muito detalhadas de rituais como o blót (sacrifício) e a celebração do Jól; além disso, os skalds (bardos) dão uma interessante explicação sobre o Destino, que passa a nortear as reflexões e atitudes de Uhtred. Apesar da riqueza de detalhes e a fidelidade almejada mesmo assim Cornwell não escapou de alguns clichés associados ao paganismo, como retratar uma dicotomia inexistente entre Valhöll e Helheimr como se fosse semelhante a Céu x Inferno do cristianismo.

A narrativa do autor brilha quando descreve cenas de ação. As batalhas são repletas de brutalidade e intensidade, incluindo descrições de táticas de guerra consagradas na época como a parede de escudos. Destaques vão para quando Uhtred nos conta sobre estar sentindo o “júbilo de batalha”, um momento de concentração profunda, e na forma com que as cenas se tornam imersivas em meio as lutas. A história possui um ritmo ágil e Uhtred é bem desenvolvido conforme acompanhamos as mudanças em sua perspectiva de mundo, suas opiniões sobre as pessoas e seus conflitos de fé. Pela história ser narrada pelo próprio, temos um claro favorecimento do ponto de vista pagão – aquele com o qual ele sempre se identifica – sobre o cristão.

O Último Reino nos apresenta ao século IX de forma intensa e interessante, sendo excelente para pagãos contemporâneos compreenderem melhor o contexto que a religião e os povos que a praticavam tinham nessa época. O autor inclui uma nota no final do volume onde discute sobre a historicidade da trama e pontua liberdades poéticas que tomou em prol da narrativa. Apesar d’As Crônicas Saxônicas constituírem uma série longa, cada um dos seus livros é bem fechado em si e foca em eventos específicos. Por isso, O Último Reino é recomendado mesmo para quem não se interessa por ler uma série, embora seja difícil não querer conhecer as próximas partes da vida de Uhtred e testemunhar com ele a fundação da Inglaterra.

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EDIT: quem estiver interessado em uma análise aprofundada sobre as divergências históricas e mitológicas presentes no livro, pode conferir este artigo de Johnni Langer, organizador do Dicionário de Mitologia Nórdica.

-Ravn

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2 Comentários

    1. Uma observação interessante, realmente podemos interpretar assim – ainda mais por Uhtred dizer que não quer ir para o Céu porque lá é “chato” e o Valhalla “bem mais divertido”. Acho que o choque cultural poderia ter sido maior se o Cornwell tivesse se aprofundado na visão pagã, sem dicotomias, e aplicado no Uhtred até mesmo uma despreocupação com o momento de sua morte; e questionando por ex que os cristãos estão sempre pensando se irão para o Céu ou não enquanto os pagãos em deixar legados. Mas uma vez que a ênfase da série é mais no período histórico que na religiosidade, é um “erro” que podemos deixar passar.

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