Uma polêmica presente no meio Ásatrú é se existe algum tipo de “iniciação” necessária para usar magia nórdica, especificamente as runas. Normalmente quando falam sobre isso estão pensando em um ritual passado por outra pessoa – algo mais característico de ordens herméticas que do paganismo. Na minha opinião, existe um processo iniciático porém não desta forma; é algo interno, que nos é descrito na sessão do Hávamál chamada de “Rúnatál” (“Canção das Runas”, o trecho entre os versos 138 e 145 do poema). Discutirei aqui o meu ponto de vista sobre o assunto.
Todas as ilustrações deste artigo são de autoria de Nataša Ilinčić (Sim, vemos muito ela por aqui…)
“Eu sei que eu pendi/numa árvore balançada pelo vento/por nove noites inteiras,/ferido por uma lança,/e dedicado a Odin,/eu mesmo a mim mesmo;/naquela árvore/que não sei/de onde suas raízes vêm.” – Hávamál (“Palavras do Altíssimo”), stanza 138; trad.Elton Medeiros
Como eu já disse em textos anteriores, os sistemas de magia nórdica estão profundamente amarrados com a religiosidade pagã germânica e é impossível dissociar um do outro. E os versos que abrem o Rúnatál já nos falam sobre um processo interno, de você com você mesmo, envolvendo a Yggdrasill – é o momento em que o aspirante à mestre-rúnico se envolve com a religiosidade, começando a compreender a visão de mundo pagã e a estrutura da Árvore. Isso também envolve compreender a estrutura nórdica para a alma (com aspectos como o óðr) e a percepção sobre o Destino.
Depois, é necessário buscar uma proximidade com um dos Deuses da Magia – no caso das runas, Óðinn (em um processo voltado para seiðr, por exemplo, a divindade buscada teria que ser Freyja). Ao estudar a faceta de mago do Fimbulþulr*, não apenas aprendemos um pouco sobre como a magia por si só funciona e está estruturada – compreendemos seu preço. Mesmo o Hávi* precisou fazer profundos sacrifícios para obter o poder da magia. Ocorrerem mudanças em nós mesmos quando passamos por este tipo de processo, e precisamos estar abertos para isso.
Por isso, não adianta outra pessoa declarar alguém um “iniciado em runas”. É um processo muito pessoal, onde apenas você é capaz de dizer se as compreendeu ou não. Ter o apoio de um grupo, seja um voltado apenas ao estudo magístico ou realmente um kindred (ou “ætt”, um grupo de culto ásatrú), pode ajudar e facilitar o processo – porém em essência, estamos sozinhos nele.
Isso faz muitas pessoas se perguntarem se a Ásatrú é uma “religião de segredos”. Realmente, não existem “segredos” para a prática do paganismo, é uma religião sem “véus” que apenas poucos podem enxergar além – porém, no Rúnatál Óðinn faz diversas perguntas e não nos dá respostas, principalmente no verso 144 (que pode ser chamado, justamente, de “Os Oito Segredos”). Falamos em “segredos” (lembrando que a palavra “rún” significa “segredo” em nórdico antigo) na magia porque são questões que envolvem autodescoberta e onde cada pessoa encontrará sua própria resposta para elas; não obtemos progresso ao apenas seguir as respostas de outras pessoas. Algumas vezes, as respostas são ligadas a experiências, coisas que não podemos colocar em palavras; uma boa associação seria quanto a diferença entre assistir o show de uma banda pela TV ou PC, e presencia-lo pessoalmente – a transmissão ou uma boa descrição não são capazes de substituir a experiência de estar lá.
“Você sabe como deve entalhar?/Você sabe como deve interpretar?/Você sabe como deve pintar?/Você sabe como deve testar?/Você sabe como deve perguntar?/Você sabe como deve sacrificar?/Você sabe como deve enviar?/Você sabe como deve cessar?” – Hávamál (“Palavras do Altíssimo”), stanza 144; trad.Elton Medeiros
E como podemos descobrir as respostas de tantas perguntas? Há apenas um meio: estudar e praticar. Ao buscarem as runas, lembrem-se do preço que o conhecimento exige. Estejam prontos para um sacrifício de vocês para vocês mesmos, se abram para as mudanças que a assimilação da visão de mundo pagã provoca e depois para a inspiração que o Velho Caolho causa nos aspirantes à mestres-rúnicos. Deixem o óðr cantar enquanto buscam as respostas e a magia dentro de si, no mundo e em Óðinn.
Sjáumst bráðlega!
-Ravn
*Nomes alternativos para Óðinn, significando respectivamente “Poderoso Sábio” e “Altíssimo”.
3 Comentários
Muito legal a postagem, mas para um aspirante a “mestre-rúnico” onde mais devo pesquisar? Teria um livro específico para um iniciante?
Recomendo “Teutonic Magic” (de Kveldulf Gundarsson) para iniciantes, sendo um sistema fácil e de enfoque pagão. Também recomendo ler “Runic Amulets and Magic Objects” (de Mindy MacLeod e Bernard Mees), um estudo de vestígios históricos, e “Helrunar” (de Jan Fries) que apesar de não ser um sistema focado no paganismo oferece uma boa perspectiva histórica e insights práticos.
Obrigado pelas dicas, vou procurar esses livros.