LHP e o Mito do Dragão

O mito do herói que enfrenta um dragão é usado como base para os sistemas LHP conhecidos como “magia draconiana“. Michael Kelly, autor dos livros Apophis e Ægishjalmur e fundador do grupo Order of Apep, partiu do mito nórdico do guerreiro Sigurðr para criar uma versão que refletisse os ideais e desafios para um iniciado nesta via, que pode ser chamada de “Caminho Heroico”. Faremos uma análise não apenas desta versão como também de manifestações contemporâneas do mito.

[ATENÇÃO: pode conter spoilers de O Hobbit e Game of Thrones]

Descrito na Völsung Saga e no Fáfnismál, o embate entre Sigurðr e o dragão Fáfnir foi escolhido por Kelly devido a alguns aspectos que o diferencia dos demais – após o combate, Sigurðr se banha no sangue do dragão e adquire capacidades sobre-humanas; e havia uma maldição sobre o tesouro que Fáfnir guardava, feita por seu portador original. Assim, o mito apresentado na magia draconiana nos descreve um Herói (o iniciado) que mata um Dragão (a potencialidade, porém bloqueada por instintos de baixa consciência) e, após saquear seu tesouro, bebe o sangue do monstro, adquirindo incríveis poderes e uma percepção acima do normal, sendo agora “uno com o Dragão”. Porém, o sangue do Dragão é venenoso e seu tesouro carrega uma terrível maldição; se em algum momento o Herói ceder aos instintos da fera ou à cobiça, decairá de dentro para fora.

“Sigurd mata Fafnir”; Igreja de Hylestad (séc.XII)

O embate do Herói e o Dragão pode ser entendido como constante devido a vigília para não ser envenenado. O Dragão é uma grande fonte de poder, mas também é um ser destrutivo, ganancioso e pouco consciente; sua absorção pelo Herói eleva esse poder ao grau da consciência. O tesouro guardado pelo Dragão pode ser visto como diversas recompensas que o uso de seus dons pode trazer – desde conhecimento, até uma posição elevada. Embora Sigurðr não precisasse se preocupar com veneno em seu mito, a maldição que o ouro carregava despertou a cobiça entre sua côrte e culminou na queda da dinastia Völsung.

Smaug_and_Bilbo

Tolkien também bebeu da mitologia nórdica na concepção de seu universo, e podemos observar uma influência da Völsung Saga na obra O Hobbit. Assim como o Ouro de Andvari, a Pedra Arken dos anões estava amaldiçoada e causou a decadência do reino mesmo antes do ataque furioso do dragão Smaug. Quando recuperada pela comitiva de Thorin Escudo-de-Carvalho, esta pedra despertou a cobiça fazendo com que ele se isolasse nas proteções de sua montanha e obrigasse seus companheiros a fazerem o mesmo, arriscando perderem a guerra posterior conta os orcs; todos estes erros e auto-ilusões acabam resultando na sua morte em uma batalha. Bilbo, com uma mentalidade capaz de enxergar além do que Thorin, foi capaz de usar a Pedra Arken para negociar a paz entre anões, humanos e elfos e garantir a vitória sobre os orcs – refletindo uma postura mais próxima a de um iniciado diante do tesouro do Dragão.

Drogon_snarls_at_his_mom[1]

Entre obras mais recentes, talvez Daenerys Targaryen d’A Canção de Gelo&Fogo seja um dos casos que melhor se encaixa na abordagem buscada pelo LHP. Após um ritual onde mergulha em chamas, Daenerys emerge como a “Não Queimada” e consegue fazer três ovos de dragão chocarem, atestando seu poder como uma rainha. Quando o vendedor de escravos exigiu um deles como pagamento por um exército, Danny o engana ao entregar Drogon – o dragão negro e vermelho, maior e mais feroz entre os três – e depois dizer que “ele não é um escravo e não aceitará ordens de qualquer um”, logo em seguida usando um comando de voz (“dracarys”) para que o dragão use seu sopro de chamas e mate o escravista. Ela usa sua posição como “Mãe dos Dragões” para obter adoração popular e assegurar seus domínios, porém sempre é lembrada pela própria natureza selvagem deles que podem a qualquer momento fugir de seu controle; caso seus dragões não a reconheçam mais como “quem está no comando”, serão capazes de matá-la. Em um ponto avançado da história, sua hesitação ao tentar domar Drogon faz com que o dragão tome suas próprias decisões e levante vôo enquanto Daenerys estava montada, conduzindo-a até um local muito afastado de sua zona de segurança.

A via da magia dracônica não é para os fracos. O Caminho Heroico envolve auto-aperfeiçoamento e desafio constante, onde você se posiciona a contra a inconsciência – já começando ao elevar os seus próprios instintos para o consciente. Para nos lembrar dessa batalha interna, o mito do dragão continua presente em nossas vidas em novos contos contemporâneos, nos inspirando a não deixarmos nossos próprios instintos sufocarem nossa Consciência.

 

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