Diz a lenda que Jacó tinha uma fixação o ritual judaico do Kaparot, o ritual de purificação dos primeiros dias do novo ano. Jacó já completara o ritual dezenas de vezes em sua vida, mas nunca conseguira sentir o poder da purificação como deveria sentir. Ou assim ele pensava.
Eis que, então, próximo ao ano novo, um grande rabino veio à cidade de Jacó para dar aulas. A lenda não guardou o nome do rabino, mas registrou que ele era um Baal Shem, um Senhor do Nome, cabalista que havia dominado as técnicas de evocar o poder de D’us através das palavras hebraicas.
Jacó foi ao encontro do Baal Shem. Acompanhou a aula. Esperou todos os ricos e demais pessoas importantes da cidade apertarem a mão do rabino e, quando o Baal Shem estava sozinho, se aproximou dele:
– Senhor, posso lhe fazer uma pergunta?
– Olá, como vai? O senhor pode perguntar, e eu tentarei responder.
Jacó mediu as palavras, mas não jugou nenhuma mais bonita do que as outras:
– O senhor poderia me mostrar como o senhor faz o kaparot?
– Como eu faço? – o rabino pareceu não entender bem o motivo da pergunta – Responderei como eu faço, se primeiro me responderes como o Senhor faz o kaparot.
– Eu sou um judeu simples. Eu compro uma ave branca, seguro a ave na minha mão direita e meu Livro na mão esquerda e leio as palavras “Esta é minha troca, esta é minha substituição,…” e passo a ave por sobre minha cabeça.
O rabino acompanhou as palavras de Jacó uma a uma. Concordou com a cabeça e falou:
– Ótimo. Eu também sou um judeu simples. Eu faço o mesmo que o senhor, mas não entendo que seja importante que a ave seja branca.
Jacó não gostou da resposta.
– O senhor parece não aceitar minha resposta. Imagino que o senhor estivesse esperando uma descrição de um kaparot extraordinário, mágico e poderoso… Muito bem. Peço que o senhor vá à estalagem no caminho para esta sua cidade. Lá conheci, anos atrás, um homem chamado Moshe. Ele, sim, faz do kaparot um evento extraordinário.
Jacó juntou suas coisas e, se aproximando a data de Yom Kipur, foi à estalagem de Moshe e pediu para passar a noite.
– Não temos mais quartos – respondeu Moshe.
– Não faz mal. Peço apenas que me deixe passar a noite. Posso dormir nas cadeiras da entrada. Qualquer lugar está bom.
Moshe aceitou. Jacó dormiu. Na manhã seguinte, Moshe acordou cedo para fazer sua cerimônia. Chamou pelo nome da esposa e pediu que trouxesse para ele seu livro de anotações.
Moshe abriu o caderno e começou a ler os escritos em voz alta. Era uma lista de erros que Moshe cometeu durante o ano. Coisas simples, bobas até. Moshe esqueceu de acompanhar um visitante até a saída de sua casa um dia. Noutro dia, dormiu até tarde e perdeu o horário da prece matutina. Outra vez ainda repetiu fofoca sobre seus vizinhos.
Mas Moshe lia seus erros e chorava. Salgava o livro de anotações com lágrimas. Quando terminou de ler, Moshe chamou pelo nome da esposa de novo e pediu que trouxesse seu segundo caderno.
No segundo caderno, Moshe tinha anotadas as coisas ruins que aconteceram com ele e com sua família durante o ano. Nas épocas de chuva, perdeu grande parte da comida estocada. Semanas em que os hóspedes eram tão poucos que Moshe não podia pagar as próprias contas. No inverno, seus filhos passaram frio e fome. Mais uma vez, Moshe lia e chorava, até que Moshe terminou de ler e de chorar.
– Senhor Meu Pai, podes ver que, como todo ano, prometi que seria um judeu perfeito e seguidamente sucumbi à má inclinação. Também, como todo ano, pedi que não deixasse que nada de errado acontecesse com minha família. Vamos deixar o que se passou para trás. Eu aceito meus problemas em troca pelos meus erros e peço que o Senhor faça o mesmo…
Moshe pegou os livros e os passou por cima da cabeça:
– Esta é minha troca, esta é minha substituição, esta é minha expiação.
Shbaa.