Na cultura pop, os gigantes costumam a ser retratados como os inimigos dos deuses, que desejam levar caos e destruição a Miðgarðr; porém, um olhar atento sobre a mitologia mostra que este nem sempre é o caso. Analisaremos algumas formas que aparecem nos mitos, e também veremos alguns aspectos práticos sobre estes seres que sempre desempenham um papel importante entre os nórdicos.
Todas as ilustrações deste artigo são de autoria de Nataša Ilinčić

Embora as traduções (tanto no português como no inglês) costumem a empregar o termo “gigante” diversas palavras foram usadas para descrevê-los, sendo “jötunn” (pl.“jötnar”) a mais comum – porém fontes posteriores preferem o termo “þurs” (pl.“þursar”), também associado com a runa e com um peso negativo maior. Diferente do que o termo pode sugerir, nem sempre possuem tamanho grande – embora sejam descritos como descomunais no conto da jornada de Þórr e Loki até Útgarð (encontrado na Edda em Prosa), a Edda Poética sugere que possuiriam o mesmo tamanho dos deuses. Alguns pesquisadores acreditam que tenham adquirido seu tamanho característico e aspectos monstruosos devido a influência cristã, pois contos mais antigos costumam a colocá-los como sábios e dignos de respeito. Normalmente habitam o mundo de Jötunheimr, descrito como um lugar selvagem e inexplorado.
Tanto a Völuspá quanto o Gylfaginning apontam que a primeira raça a surgir no universo, derivada diretamente de Ymir, teria sido os gigantes – que depois se tornaram pais da primeira geração de divindades; por isso, podemos entendê-los como seres ancestrais. Sua imagem como sábios é atestada por Mímir (apesar de ser às vezes descrito como um deus áss), guardião da fonte onde Óðinn bebeu em busca de sabedoria; e por Vafþrúðnir, mencionado por Frigg como “o mais sábio entre os gigantes” e envolvido em um jogo intelectual com o próprio Alföðr no poema Vafþrúðnismál. Além disso, o Hávamál cita Ásviðr como um gigante conhecedor das runas.
Quando retratados em oposição aos deuses, interpretações contemporâneas vêem os gigantes como seres que personificam aspectos involutivos, como a inveja e a ganância. Alguns exemplos são Þjazi, que tenta sequestrar a deusa Iðunn para obter as maçãs que garantem a vida eterna aos deuses; e Þrymr, que apresenta desafios aos deuses ao roubar o Mjöllnir e exigir que a deusa Freyja seja entregue a ele como resgate. Outras interpretações contemporâneas colocam estes gigantes opositores como forças caóticas, que buscam perturbar a ordem protegida pelos deuses; isso muitas vezes parte de associações com o clima ruim, em especial nos casos dos hrímþursar (“gigantes-de-gelo”) e vindþursar (“gigantes-do-vento”). Como uma divindade climática e muito louvada por agricultores, fica a cargo de Þórr controlar estas forças da natureza e proteger Miðgarðr evitando tempestades.
As animosidades nem sempre são alimentadas pelos gigantes; muitas vezes, os deuses invadem Jötunheimr buscando saques e tesouros. Um exemplo é a descrição do roubo do Hidromel da Poesia no Hávamál, onde Óðinn se infiltra na morada de Suttungr. No Gylfaginning, é contado que durante a construção do muro de Ásgarðr os deuses pediram ajuda de Loki para enganar o gigante que se responsabilizou com a construção e assim não precisar pagar um débito a ele. Þórr invadia Jötunheimr frequentemente, sendo dignos de nota os casos descritos na Þórsdrápa – quando o deus procurava enfrentar o gigante Geirröðr auxiliado por uma giganta – e a expedição à côrte de Útgarða-Loki, descrita no Gylfaginning; nesta ocasião teve Loki como seu parceiro, porém ambos foram enganados pelos feitiços e ilusões do astuto lorde jötunn.
Surtr, grande adversário durante o Ragnarök, governa os gigantes-de-fogo (ou “eldjötnar“) – porém são pouco mencionados em outros mitos; habitantes de Múspellsheimr, podem ser vistos como o aspecto mais destrutivo da energia do Fogo Primordial. O conto de Útgarða-Loki descreve Logi (“fogo” em nórdico antigo), um gigante-de-fogo presente em uma côrte em Jötunheimr que envolve em disputas com Loki. Em contraponto, o Gylfaginning aponta que alguns dos gigantes-de-gelo descendentes de Ymir foram morar no mundo do Gelo Primordial, Niflheimr.

As gigantas (em nórdico antigo “íviðja“, pl.”íviðjur“) formam quase que uma categoria separada de suas contrapartes masculinas. Dotadas de grande beleza, poder e prestígio e muitas vezes buscadas pelos deuses como esposas, considera-se que possuíam uma ligação ainda mais forte com a natureza, principalmente devido a giganta Jörð – amante de Óðinn e mãe de Þórr, seu nome significa “Terra” e atualmente muitos grupos gostam de homenageá-la como uma personificação da mesma. Associações semelhantes podem ser feitas com Gerðr, descrita no conto Skírnismál (parte tando da Edda Poética quanto Prosaica), relata como o deus vane Freyr conquistou o amor da giganta e consumou o casamento, cedendo sua espada mágica como dote; é considerado por muitos hierogâmico, por se tratar da união de uma divindade masculina fertilizadora (Freyr) com uma entidade feminina telúrica (Gerðr). Outra íviðja muito conhecida é Skaði, tida como deusa da caça; filha de Þjazi, exige que os æsir a concedam um dos deuses em casamento e um lugar entre eles como indenização por terem matado seu pai.
Os þursar são seres muito variados, e seu papel se estende muito além de meros “adversários dos deuses”. São poderosas personificações de forças ancestrais e primordiais, e devem ser aproximados primeiramente com respeito. Embora possam se manifestar de formas caóticas e existam aqueles de natureza destrutiva, devemos sempre lembrar que podem guardar grande sabedoria e da importância das gigantas principalmente no papel de “Mãe-Terra”.
Sjáumst bráðlega!
-Ravn