Younger Futhark e Magia Rúnica

Como dito em posts anteriores, existiram mais de um alfabeto rúnico (“futhark“) no decorrer da história, além de diversas variações regionais. Através dos Poemas Rúnicos que chegaram até nós e das mudanças nos próprios nomes usados às runas, é possível entender cada alfabeto como um sistema magístico próprio. Hoje, analisaremos o Younger Futhark  e seus usos.

Imagem destacada: série Vikings/History Channel

Adotado na Escandinávia durante a Era Viking (por volta de 750-1100 D.C.) e usado também na Islândia, é nesse alfabeto em que foram gravadas a maioria das inscrições rúnicas encontradas por arqueólogos hoje. Constituído de 16 runas, é uma simplificação do Elder Futhark (de 24 runas, usado entre 50-750 D.C.) voltado para comportar mudanças lingüísticas acontecendo no início deste período. Os poemas rúnicos, que hoje são usados para extrair uma simbologia pagã para associação com as runas, são registros feitos normalmente por monges que associam cada caractere com um verso e podem ter sido tanto um recurso para facilitar o aprendizado dos alfabetos quanto um catálogo de dizeres culturais.

A maioria dos livros voltados para magia nórdica trata apenas do Elder Futhark, dando pouca atenção a outros alfabetos rúnicos. Embora alguns deles indiquem que as runas de outros alfabetos sejam apenas caracteres variantes do Elder Futhark (por exemplo, apontando o desenho da runa “kaun” do Younger Futhark como apenas uma variação para a runa “kenaz” do Elder), isso é uma simplificação muito grande do potencial que os diferentes alfabetos podem nos fornecer e desconsidera aspectos como as diferenças do significado atribuído a runas de mesmo valor fonético em Poemas Rúnicos diferentes. Por isso, devemos prestar bastante atenção ao escolhido durante uma prática.

Apontarei aqui algumas possibilidades para o uso magístico para o Younger Futhark, junto de dois Poemas Rúnicos que tratam dele – o Norueguês e o Islandês, abreviados respectivamente para “P.R.N” e “P.R.I”. A tradução usada para os versos é a de Márcio Alessandro Moreira. As formas apresentadas para as runas são as mais comuns de ocorrerem na época, havendo em alguns casos variações regionais.

yf_1_fé [Riqueza]

Valor fonético: f

“A riqueza é a fonte da discórdia entre parentes; o lobo vive na floresta.” – P.R.N

“A riqueza é a fonte da discussão entre parentes; o fogo do mar; e o caminho da serpente.” – P.R.I

Fé é uma runa com ênfase material muito grande, sendo útil em trabalhos voltados para prosperidade. Muitos também a vêem como algo para acumular energias que serão liberadas posteriormente, e também a associam com vitalidade.

 

yf_2_úrÚr [Escória ou Chuva]

Valor fonético: u/o/v

“A escória vem de ferro ruim; a rena frequentemente corre em cima da neve congelada.” – P.R.N

“A chuva é a lamentação das nuvens; e a ruína da colheita; e abominação do pastor.” – P.R.I

Devido ao verso norueguês, Úr é associada com purificação – remover aquilo que enfraquece, mesmo que seja dolorido, e deixar a força aparecer. É ligada a resistência, tenacidade e força de vontade pela associação com a rena sobre um terreno difícil de ser percorrido. Alguns autores defendem que ela manteria o mesmo aspecto curativo da Uruz do Elder Futhark.

 

yf_3_þursÞurs [Gigante]

Valor fonético: þ/ð

“O gigante causa angústia para mulheres; infortúnio faz poucos homens felizes.” – P.R.N

“O gigante é a tortura das mulheres; e o habitante da montanha; e o marido de Varðrúna.” – P.R.I

Uma runa agressiva, sua associação com gigantes pode ser vista também como forças da natureza (como tempestades). Apesar disso, alguns autores apontam que sua forma é parecida com a de símbolos usados para o Mjölnir, o martelo de Þórr – por isso, pode ser uma boa runa para equilibrar e direcionar forças destrutivas. Também é frequentemente usada como contra-feitiço. É preciso muito foco e cuidado ao utilizar suas forças, uma vez que podem facilmente sair de controle.

 

Áss [Estuário ou Divindade (Áss)]

Valor fonético: æ/á/ó

“O estuário é o caminho da maioria das jornadas; mas a bainha é da espada.” – P.R.N

“Áss é o velho Gautr; e o príncipe de Ásgarðr, e senhor do Valhöll.” – P.R.I

A palavra “Áss” é o singular para “Æsir”, e assume-se que o poema islandês fale especificamente sobre Óðinn. Pode ser usada para obter conhecimento, inspiração artística e estados de êxtase, facilitar o aprendizado ou agir de forma mais astuta. Pela significação norueguesa, também podemos associar essa runa com jornadas e vê-la como uma facilitadora de projeção astral.

 

yf_5_reiðReið [Montar]

Valor fonético: r (iniciando ou no meio de uma palavra)

“Montar é dito ser a pior coisa para os cavalos; Reginn forjou a melhor espada.” – P.R.N

“Montar é a alegria do cavaleiro; e a jornada veloz; e o trabalho do corcel.” – P.R.I

Associada com movimento, pode ser usada para ditar o ritmo de algo – normalmente, acelerando acontecimentos. Em conjunto com outras runas, tende a tornar suas ações mais rápidas. Também pode ser usada para obter conselhos e facilitar encontrar os melhores caminhos para uma solução.

 

yf_6_kaunKaun [Úlcera]

Valor fonético: k

“A úlcera é fatal para as crianças; a morte faz um cadáver pálido.” – P.R.N

“A úlcera é a doença fatal para crianças; e dolorosa mancha; e residência da mortificação.” – P.R.I

Kaun é associada com processos de decomposição. Se mantidos fora de controle, podem se manifestar como doenças e de formas dolorosas; porém, controladamente pode nos permitir manipular energias de forma que a decomposição de torne parte de um processo transmutador ou até regenerativo. É uma runa difícil de se dominar.

 

yf_7_hagallHagall [Granizo]

Valor fonético: h

“O Granizo é o mais frio dos grãos; Kristr criou o velho mundo.” – P.R.N

“Granizo é a semente fria; uma chuva de granizo; e a doença das cobras.” – P.R.I

Esta runa costuma a nos lembrar de fatores externos, além do nosso controle, mas que nos afetam diretamente tal qual uma chuva de granizo sobre a plantação. Magisticamente, pode ser usada para nos proporcionar o entendimento de tais fatores ou um controle mínimo, que permita amenizar seus impactos. Seu desenho também foi usado como um sinal de proteção por muitos povos germânicos, e é apontado como a base para muitos bandrúnar.

 

yf_8_nauðNauð [Necessidade]

Valor fonético: n

“O constrangimento dá pouca escolha; um homem nu é esfriado pela gelo.” – P.R.N

“A necessidade é a tristeza da escrava e estado de opressão e trabalho pesado.” – P.R.I

Nauð é uma runa que representa amarras e momentos em que estamos com poucos recursos para agir. Ela nos ensina a lidar com a necessidade, e pode ser usada para remover bloqueios. Também é um poderoso meio de aliviar o stress e outras perturbações para nossas mentes.

 

yf_9_íssÍss [Gelo]

Valor fonético: i/e/j

“Gelo, nós chamamos a ampla ponte; o homem cego deve ser conduzido.” – P.R.N

“O gelo é a barca dos rios; o telhado das ondas; e destruição do sentenciado.” – P.R.I

A runa do gelo representa o poder de concentração e contração. É capaz de conservar e comprimir as coisas dentro de si, até o ponto do congelamento. Embora possa ser usada para consolidação e concentração, deve ser usada com cautela – sua energia em excesso leva a estagnação. Também pode ser usada para proteção, gerando isolamento e diminuindo influências externas.

 

Ár [Plenitude ou Colheita]

Valor fonético: a

“A plenitude é boa para os homens; eu digo que Froði foi generoso.” – P.R.N

“A colheita é boa para os homens; e um bom verão; e próspera colheita.” – P.R.I

Ár é uma runa de generosidade, representando o efeito das estações e a boa colheita. Seu uso magístico pode promover um crescimento lento, porém contínuo; sincronizado com os ciclos naturais. Além disso, também pode ser usada para promover a paz e harmonia.

 

Sól [Sol]

Valor fonético: s

“O Sol é a luz do mundo; eu reverencio o divino decreto.” – P.R.N

“O Sol é o escudo das nuvens; e um raio brilhante; e destruidor do gelo.” – P.R.I

Partindo do poema islandês, podemos apontar uma oposição entra a runa solar e Íss, assim considerando-a também uma força expansora capaz de “derreter o gelo” e dissipar contenções. É útil para obter sucesso e também em feitiços de rebote, refletindo de volta algo que foi direcionado contra nós; portanto, pode tanto rebater um ataque quanto enviar de volta a uma pessoa um feitiço benéfico (como sinal de gratidão).

 

yf_12_týrTýr [deus Týr]

Valor fonético: t/d/nd

“Týr é o Deus maneta; frequentemente tem o ferreiro que golpear.” – P.R.N

“Týr é o Deus maneta e as sobras do lobo; e o governante do templo.” – P.R.I

Esta runa leva o nome do deus Týr, que perde sua mão enquanto prendia o lobo Fenrir. Pode ser usada para trazer vitória, coragem e para justiça; porém é devemos nos atentar ao invocar sua força, pois sacrifícios podem ser necessários. Além disso, caso não haja plena certeza de nosso mérito e da retidão dos nossos atos ao usá-la, pode acabar se voltando contra o usuário.

 

yf_13_bjarkanBjarkan [Bétula]

Valor fonético: b/p/mb

“A bétula tem as folhas mais verdes do que qualquer arbusto; Loki foi afortunado em sua decepção.” – P.R.N

“A bétula é um ramo copado; e a pequena árvore; e jovem arbusto fresco.” – P.R.I

A bétula era cortada pelos escandinavos para usar como lenha e aquecer as casas, o que fez com que esta runa recebesse associações com abrigo e maternidade. Através dela, podemos obter a proteção e o conforto de um abrigo seguro e aquecido. Também pode ser usada em processos de concepção, facilitando a concretização de algo que ainda está em seus estados iniciais.

 

yf_14_maðrMaðr [Homem]

Valor fonético: m

“O homem é um aumento da terra; grande é a garra do falcão.” – P.R.N

“O homem é a alegria do homem; e acréscimo da terra e o adorno dos navios.” – P.N.I

Esta runa nos lembra da importância das relações entre as pessoas. Seu uso pode promover harmonia e união entre grupos. Também pode atrair ajuda externa quando precisamos, ou ser usada para equilibrar nossa personalidade e tornar mais fácil a convivência com os outros.

 

yf_15_lögrLögr [Cachoeira ou Água]

Valor fonético: l

“A cachoeira é o rio que cai de um lado da montanha; mas ornamentos são de ouro.” – P.R.N

“A água é o redemoinho de fluxo; e o amplo caldeirão; e a terra do peixe.” – P.R.I

A água, como um fluido vital, é muito associada às nossas emoções e ao inconsciente; e enquanto o poema norueguês enfatiza a fluidez dos rios, o islandês evoca calma. Lögr costuma a ser usada para promover a introspecção e ter acesso a estes aspectos, melhorando a intuição ou acalmando-os.

 

Ýr [Teixo]

Valor fonético: -r (finalizando palavras)

“O teixo é a mais verde das árvores no inverno; é acostumado crepitar quando queima.” – P.R.N

“O teixo é o arco dobrado; e o frágil ferro; e a flecha de Fárbauti.” – P.R.I

Uma runa muito poderosa, pois além de servir como madeira para arcos e flechas (como o poema islandês nos lembra) o teixo também é a árvore que é referenciada como a Yggdrasill – que a Völuspá aponta estar “sempre verde”, assim como o poema norueguês cita. Ýr é uma runa tanto de proteção quanto de ataque. Também pode ser usada para obter resistência e superar dificuldades que se impõem em nosso caminho, e para melhorar o contato com o espiritual.

 

Fica esta rápida introdução a um alfabeto rúnico diferente do Elder Futhark. Busquem conhecer diferentes alfabetos e poemas rúnicos, antigos ou contemporâneos, enquanto desvendamos essa dádiva que Óðinn nos concedeu.

Sjáumst bráðlega!

—Ravn

 

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4 Comentários

  1. Ravn, estava estudando recentemente as runas e observei que para cada uma usada há um tipo de *reverso* como na runa *fé* (minhas aspas não funcionam), o reverso seria perda, falta de bens etc, gostaria de saber especificamente o reverso da runa *Yr* e onde me informar mais sobre tais recompensas e consequências pelo mal uso das runas, os sacrifícios de si para si necessários no caso. Agradeço desde já.

    1. Olá, João!

      Onde você teria visto sobre o “significado reverso”? É um conceito normalmente válido para o uso oracular das runas, e o alfabeto normalmente escolhido nos livros sobre isto é o elder futhark (veja aqui); e este não inclui a runa ýr. Eu ainda não comentei sobre as runas como oráculo aqui no Platinorum, os dois posts sobre alfabetos rúnicos falam sobre usos em magia. Podemos pensar que uma ýr em um contexto negativado seria a vulnerabilidade e a derrota diante uma oposição, falta de força e confiança em si mesmo.

      Sobre o estudo e os sacrifícios, eu falei neste post (clique aqui)! Também vale a pena ler este texto, para compreender melhor como a magia contemporânea com runas se formou.

    1. Poder pode, mas os alfabetos rúnicos só escrevem corretamente os idiomas nórdicos e germânicos. O canal do pesquisador Jackson Crawford (em inglês) possui lições sobre como escrever com runas.

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