Os Muitos Tipos de Qi
Continuando nossa série sobre os Grandes Erros do Ocidente quanto aos conceitos do oriente, hoje falarei um pouco a respeito de um tema que permeia praticamente qualquer conversa que se possa ter a respeito do esoterismo oriental: o Qi.

Contexto Histórico
É incerto quando o conceito de Qi primeiramente veio a aparecer na cultura chinesa. É incerto sequer quando cada um de seus múltiplos significados apareceu.
Há registros de filósofos do período dos Estados Combatentes que mencionam o Qi como uma espécie de vento ou fumo tóxico que se desprende das ruas ou cadáveres.
Há ainda relatos de que Confúcio entendia o Qi como sendo literalmente o ar que inalamos, e, de fato, uma das formas de se falar de respiração na china antiga é falando do Qi.
Em termos da mitologia, novamente o HuangDi Neijing menciona o conhecimento de como manipular os diversos tipos de Qi do corpo como um desses conhecimentos antigos, que um dia estiveram em posse dos seres humanos, mas foram perdidos.
Vamos destrinchar um pouco melhor esse tema, dessa vez nos focando menos em definições – visto que há tantas que uma somente não pode ser dita ser a correta – e mais nos diversos USOS que a palavra “Qi” pode ter quando falamos de esoterismo e da China antiga.

O Qi no Dia-a-Dia
Talvez o primeiro conceito relacionado ao “Qi” não tenha tido absolutamente nada de esotérico.
Se formos acreditar nas teorias históricas mais recentes, “Qi” poderia ser um nome geral usado para descrever “a coisa que é carregada pelo vento” – ou seja, o ar.
Mas como assim?
Bem, para entender isso é primeiro necessário criar ciência desse um conceito ocidental que permeia nossa vida diária – a ideia de um “mar de gases” que nos circunda e no qual nadamos. A ideia do “ar”.
O conceito de ar, ou mesmo a existência de gases invisíveis como o nitrogênio, o oxigênio e o hidrogênio, é extremamente anti-intuitivo, e um daqueles tesouros pouco apreciados por nós. A ideia de que estamos circundados por essa dinâmica composição de gases que podem ser influenciados pelo movimento de nossos pulmões é tida pela maioria como algo comum, e a ideia do vento como sendo a movimentação desses gases perante a ação de alguma força (normalmente das dinâmicas meteorológicas que têm a ver com a temperatura dessa massa de gás) é ainda mais anti-intuitiva.
Ao analisarmos os povos antigos, ou mesmo a maior parte da Idade Média, devemos ter em mente que essa noção lhes era alienígenas.
Imaginando a Vida Sem A Noção De Ar
Tentemos imaginar o nosso dia-a-dia sem a noção de estarmos cercados pelo ar.
Quando movemos nossas mãos, sentimos um deslocamento. Quando sopram os ventos, eles movem as coisas. Quando respiramos, sentimos algo entrando em nossos narizes e estufando nossos peitos e barrigas. Quando está frio, algo parece “bater” em nós e nos resfriar. Quando está quente, é o oposto. Quando vemos um cadáver se decompor, ele incha aos poucos, e eventualmente explode, soltando uma grande quantidade de “vento”. Quando há pessoas doentes com gripe, essa gripe pode passar de uma pessoa para a outra por meio dos espirros, sopros ou outras formas de “vento” geradas por essa pessoa. Quando soltamos um peido, um cheiro desagradável se segue.
Não tendo a noção de ar, o que nos resta deduzir desses fenômenos todos?
Ora, resta-nos deduzir que são formas de vento, e que o vento em si é uma força que carrega coisas de um ponto ao outro.
Em um conceito moderno similar, podemos pensar nessa força como sendo da mesma natureza que a das ondas eletromagnéticas – que “empurram” outras coisas em seu caminho.
Mas se isso é vento, como ele se relaciona ao Qi?

O Qi e o Vento
A palavra “Qi” (lê-se “chí”), quando lida a partir de seu ideograma, pode ser entendida como o “vapor que se eleva do arroz quando ele é cozido”.
Contudo, se há um ideograma para “vapor” e um ideograma para “arroz”, qual o sentido de falarmos do Qi como sendo o “vapor que se eleva”?
Importante notar a totalidade da frase, e não nos prendermos em parte dela. O Qi não é o vapor em si, composto de gases, mas sim “o vapor enquanto ele se eleva do arroz sendo cozido”.
Em uma analogia feita por um professor meu, devemos imaginar a situação de forma bem detalhada.
Uma panela de pedra, sob a qual há um fogo. Dentro da panela, arroz e água. A panela está tampada.
Quando o arroz cozinha e libera vapor, a pressão dentro da panela aumenta. Em pouco tempo, a tampa da panela começa a trepidar; e vapor, a escapar dela.
O Qi não é o vapor, nem a panela, nem o fogo, nem o arroz, nem a água. O Qi é a mistura do trepidar da tampa e da força com que o vapor sai da panela. Ele é a força básica que representa, no pensamento chinês, a origem do “vento” que é não outro se não o vapor de arroz comprimido, que escapa da panela.
Por isso, em termos modernos, muitos descrevem o Qi como sendo “energia”. Mas deixemos a modernidade mais para o final.
Qi Celestial, Qi Impuro e Qi Perverso
Se sabemos que o Qi é uma espécie de força que põe coisas como o vapor em movimento, gerando por exemplo o vento, podemos assim definir o Qi como o movimento gerado quando há diferença de pressão entre dois meios, correto?
Infelizmente não. Os chineses antigos não tinham a ideia de “forças”. Ao observar o Qi, muitos de seus significados remetem a isso.
Por exemplo, quando pensamos na respiração. Ao respirarmos, ocorre algo similar com o que ocorre com o vapor de arroz. Criamos uma diferença de pressão (negativa nesse caso) e nossos pulmões se enchem de algo.
Algo que está claramente dentro de nós e que hoje em dia chamamos de ar.
Contudo, como vimos, os chineses antigos não tinham o conceito de “ar”. Eles tinham a sensação de haver algo dentro de si. E há diversas formas de provarmos que, quando respiramos, “aprisionamos” algo dentro de nós – por exemplo, se colocarmos uma folha de papel próxima de nossos narizes ao expirar, ela se moverá.
Da mesma forma, quando os ventos são muito fortes, eles impactam as casas e podem causar grandes danos, até mesmo levantando-as de suas bases e levando embora telhas e telhado.
Mas não faz sentido dizermos que estamos prendendo algo material dentro de nós quando respiramos. Pois podemos filtrar nossa respiração (por exemplo com seda) e ainda assim uma grande quantidade de “algo” ficará presa dentro de nós.
Assim, os chineses eventualmente acabaram aceitando que as coisas invisíveis que prendemos dentro de nós quando respiramos são também uma forma de Qi. O “Qi celeste” que se encontra entre o céu e a terra. O Xin Qi.
Mais tarde, ao fazerem experimentos e dissecações, além de observarem o processo de putrefação de cadáveres e os gases que eles liberavam, os chineses chegaram ainda a algumas conclusões:
1 – Sem acesso a Qi celeste puro, isso é, a ar puro, a pessoa morre sufocada. Logo, o Xin Qi é necessário à vida. Em tempos modernos chamamos o elemento atmosférico que realiza essa função de “oxigênio”.
2 – Sendo forçada a respirar a expiração de outra pessoa sem acesso a Qi celeste puro, a pessoa morre sufocada. Logo, na inspiração absorvemos Qi Celeste e na expiração expiramos um Qi Impuro, que é incapaz de sustentar a vida. Em tempos modernos, reconhecemos esse elemento como sendo “gás carbônico”.

3 – Nos locais onde há fezes, urina, cadáveres, coisas em decomposição, acúmulos de lixo e outros do tipo, cheiros desagradáveis e ventos que carregam esses cheiros se formam. As pessoas que vivem próximas a esse tipo de cheiro e expostas a esses ventos, mesmo que jamais tenham contato direto com a imundice, facilmente adoecem e morrem. Isso não é por causa do cheiro, já que perfumes e incensos não impedem a doença. Logo, há um Qi Perverso (Xie Qi) que é produzido nesses lugares, carregado pelo vento, e se aloja nas pessoas próximas. Ele pode invadir o corpo e levar ao adoecimento e à morte. Em tempos modernos, reconhecemos esses Xie Qi como sendo, dentre outras coisas, vírus, bactérias e outros microorganismos infectantes.
4 – Ao dissecar um cadáver ou animal, vemos que os pulmões se enchem de Qi Celeste e que depois se esvaziam de Qi Impuro. Logo, o Qi Celeste deve adentrar o corpo de alguma maneira, após ser guardado nos pulmões. Ao dissecar os pulmões, encontramos muitos Canais por onde flui Sangue, os Canais do Sangue ou as Artérias e Veias (os Xue Mai). Quando uma pessoa tem deficiências do sangue ou perde muito sangue, ela fica letárgica, apresenta as extremidades frias e arroxeadas. Quando uma pessoa sufoca, ela primeiro fica desesperada, depois fica letárgica, apresenta as extremidades frias e arroxeadas. Logo, pode-se concluir que o Qi flui no Corpo e vai para dentro dos Pulmões, onde ele se mistura ao Sangue, e corre junto do Sangue dentro do corpo. O Qi e o Sangue assim formam um par conhecido como Qi-Xue, que flui pelos Vasos do Sangue, os Xue Mai. Em tempos modernos, reconhecemos esse processo como a Troca Gasosa que ocorre nos pulmões.
Assim, vários tipos de Qi foram identificados. Muitos deles relacionados e utilizados na Medicina Tradicional Chinesa.
Contudo, esses não são os únicos tipos. Nem de perto. Afinal, nem sequer tocamos ainda no tema do…
Qi Como Substância Primária Universal
No último texto mencionei a forma como o taoismo entende o Qi – uma substância universal, invisível, que permeia e de fato constitui todas as coisas.
Contudo, até o momento, não mencionei nada muito esotérico. O que falei do Qi talvez se aproxime da teoria dos humores tóxicos que os médicos medievais possuíam, e não tanto assim de uma “substância universal”.
Bem, para entendermos isso temos de voltar ao começo.
Quando é o começo?
Se formos ser um pouco mais céticos, é o período dos Estados Combatentes (400 a.e.c a 200 a.e.c).
Se formos ser um pouco mais dogmáticos, é um período muito antigo, por volta de 3.000 a.e.c.
Qualquer que seja o período, é um em que o conhecimento da medicina está se consolidando conjuntamente a uma outra série de conhecimentos, e descobertas tanto materiais e racionais quanto místicas estão sendo feitas.
Durante esse período, o Taoismo se desenvolve e, com ele, uma estruturação de qual seria a realidade última do universo – o incomensurável, o Dao, seguido por todas aquelas coisas que estariam ao alcance da humanidade – isso é, uma série de mistérios e coisas já descobertas, que incluiriam o yin-yang e o Qi.
Falando novamente do Qi como substância última da natureza, é quase impossível precisar o que veio primeiro – a associação dessa força invisível que move tampas de panelas de arroz com a existência de uma realidade última composta de unicidade, ou a revelação de uma existência última e única que, em uma analogia quase perfeita, podia ser relacionada com aquela força misteriosa.
O fato é que, ao falarmos do Qi na perspectiva Taoista, damos um salto lógico e iniciamos nosso paradigma de um ponto de vista totalmente diferente – ao invés de pensarmos que a força invisível que move a tampa de arroz deve se relacionar ao vento, à saúde e à doença, pensamos que uma força invisível é a realidade primeira do universo, e que ao se colocar sob os ciclos do yin-yang ela se torna a miríade de manifestações que conhecemos como tudo aquilo ao nosso redor, incluindo a nós mesmos.
Ao invés de termos o Qi como meramente uma força, olhando a partir do ponto de vista do Taoismo, temos nele uma substância primordial que irá se movimentar eternamente entre os máximos do yin e do yang, passando por uma infinidade de estágios pelo caminho e se materializando como tudo o que vivenciamos.
Acima dessa força existem, conhecidos por nós, apenas nossas Almas (cujo número varia dependendo da tradição), que possuem a capacidade de não só vivenciar esse Qi, como de influenciar o seu caminho.
Assim explicam os Taoistas que, por possuir um Shen (espírito) o ser humano é capaz de ir além do Yin-Yang e elevar-se ao reino do Inconcebível, manipulando a natureza e o universo a partir da manipulação da substância primária de que ele é composto, e que possui leis e regras em sua manifestação.
Essa substância é o Qi, e ele se manifesta primeiro sob o comando do Shen, depois sob a lei do Yin-Yang, depois sob as leis das Quatro Estações, que se refinam nas leis do I-Ching, depois sob as leis dos Cinco Movimentos, depois sob as leis do Céu e da Terra e dos Troncos e Ramos.
O Dao é inconcebível, e o ser humano só pode refinar sua proximidade com o Dao por meio da prática incessante de atividades. Da manifestação incessante de seu espírito.
Aquelas coisas que lidam com o Shen, e com o refinamento do Shen, são as coisas do espírito e intelecto – as artes, estudo, ensino, filosofia, poesia, meditação e similares. Por meio dessas, o ser humano pode cultivar seu Espírito, tornando-o mais forte e refinado.
Aquelas coisas que lidam com a manifestação do Qi a nível da lei do Yin-Yang são as coisas Divinas. Assim, apenas os Imortais, os deuses e outros seres desse tipo não estão sujeitos à lei do yin-yang, pois seu Shen é suficiente para interromper o fluxo do Yin-Yang e retirá-los da ilusão da Morte e Transformação, permitindo que eles assim não estejam mais sujeitos aos grandes ciclos do yin-yang.
Aquelas coisas que lidam com a manifestação do Qi a nível das leis das Quatro Estações, que se refinam nas leis do I-Ching, são o destino, o inevitável, as consequências das ações e as probabilidades maiores e menores do mundo. O ser humano pode tomar conhecimento do futuro e do destino por meio do I-Ching, quando obtém um bom nível de cultivação do seu Shen, mas é necessário um nível muito grande e grande maestria para ser capaz de alterar o Qi que se manifesta a esse nível.
Aquelas coisas que lidam com a manifestação do Qi a nível da lei dos Cinco Movimentos são o assunto da Alquimia Taoista – a transformação das emoções, do corpo e da alma para obter saúde e vida longa e próspera.
Aquelas coisas que lidam com a manifestação do Qi a nível das leis do Céu e da Terra e dos Troncos e Ramos são as coisas que lidam com as ciências do mundo – a química, a física, a biologia, todas as ciências que estudam o mundo físico como ele é e que procuram entender as relações das manifestações do Qi entre si.
Isso é, ao menos em algumas concepções…
Muitos Qi Taoístas
Tudo muda, inclusive as religiões. Há textos em que o Shen é dito fazer parte do Céu e estar sob as leis do Céu e da Terra.
Há textos onde o Shen é pouco ou nada explicado.
E há textos onde o Qi também é diminuído ou trabalhado de formas totalmente diferentes.
O fato é que, ao se falar do Qi dentro do esoterismo chinês, talvez o melhor seja falarmos não de seu conceito, mas sim dos conceitos que podemos deduzir a partir da observação das formas de Cultivo e Medicina que usam o Qi.
O Qi Que Cultivamos e Usamos Para Curar
Há basicamente duas formas de usarmos o Qi na Medicina Tradicional Chinesa.
Podemos usar o Qi por meio da maestria de técnicas de Controle do Qi (Qi-Gong, ou seja, literalmente, “habilidade de controlar o Qi”) ou por meio de técnicas que influenciam o Fluxo do Qi, como a Acupuntura, a Moxabustão e assim em diante.
Essas técnicas são recheadas de contradições entre elas e, muitas vezes, se contradizem claramente.
No próprio HuangDi Neijing é dito que o Qi circula juntamente com o Sangue e, poucas páginas depois, que ele circula nos Meridianos, por onde não circula sangue. Mais à frente, temos uma descrição de que há dois tipos de Qi, um que circula no interior e um que circula no exterior do corpo.
Explicações satisfatórias não nos são dadas, e somos deixados com os instrumentos necessários para aplicar a Medicina Tradicional Chinesa utilizando ambos os pensamentos ao mesmo tempo, ainda que eles pareçam conflitantes.
Eu, pessoalmente, considero que isso seja parte da grande mistureba que são os inúmeros conceitos do que seja o “Qi”. E, por isso, aplico cada conceito metodicamente segundo seu uso, considerando que o “Qi” que circula com o sangue e o “Qi” que circula nos meridianos são diferentes qualitativamente, mesmo que possam ser intercambiáveis de alguma maneira.
E já que estamos nesse tema, comecemos com a Medicina Tradicional Chinesa.
O Qi na MTC
Na MTC podemos classificar o Qi segundo sua origem e função.
– Xin Qi é o Qi Celeste que absorvemos com o ato da respiração. Ele é usado pelo corpo como matéria-prima para produção de Zhong Qi, Xue e Zheng Qi.
– Gu Qi é qualquer forma de Qi que absorvemos dos Alimentos e Bebidas. Cada alimento e bebida possui sua própria concentração de diferentes qualidades de Qi. Essas qualidades podem ser medidas segundo as classificações usadas nos Cinco Movimentos e também segundo características específicas do alimento, como se ele é quente, frio ou morno, faz subir ou descer o Qi do corpo, faz o Qi do corpo ir para dentro ou para fora, tonifica algum órgão, pode danificar algum outro, é tóxico ou não, e assim em diante. Por isso, é importante ter uma alimentação balanceada e equilibrada. O Gu Qi é usado como matéria-prima pelo corpo para produção de Zhong Qi, Xue e Zheng Qi.
– Zang Fu Qi (Gan Qi, Dan Qi, Fei Qi, etc) são os Qi presente em cada órgão e víscera de nosso corpo. Cada um deles possui seu tipo de Qi predominante, que é diferente dos demais. Eles têm uma série de funções, dependendo de cada órgão. Por exemplo, o Qi dos Pulmões tem, entre outras funções, a de impulsionar todo o Qi do corpo, garantindo que ele circule adequadamente.
– Yuan Qi é um Qi especial que possui funções parecidas com o “Jing”, uma substância do corpo que promove metabolismo e controla o envelhecimento. Sua principal função é gerar transformações.
– Zong Qi ou “Qi do tórax” é um Qi formado por uma mistura de Xin Qi e de Gu Qi. Forma a maior parte do Qi do tórax e controla os batimentos cardíacos e a respiração.
– Zheng Qi ou “Qi correto” é um Qi formado por uma mistura Xin Qi e de Gu Qi que é levada aos Rins e transformada pelo Yuan Qi. Tem pouca duração, pois logo após ser formado ele se divide em Wei Qi e Ying Qi.
– Ying Qi é um Qi de funções nutritivas. A maior parte dele flui juntamente com o sangue, mas parte flui nos meridianos. Sua principal função é nutrir e aquecer o corpo.
– Wei Qi é um Qi de funções defensivas. A maior parte dele flui livremente pelo corpo, se acumulando na parte externa, logo após a pele. Sua principal função é defender o corpo da invasão de Qi perverso. Ele também possui função importante ao ajudar a manter o corpo aquecido.
– Xie Qi, são os Qi Perversos (doenças infecciosas, indisposições, alergias, etc) que são produzidos pelo ambiente e podem danificar o corpo ao entrarem em contato com o corpo e/ou serem ingeridos.
– Produções Patogênicas são não um tipo de Qi, mas um tipo de síndrome que afeta o Zheng Qi e o transforma em uma substância nociva ao corpo. Ocorrem quando a pessoa é afetada por emoções intensas e/ou constantes.
Esses são os tipos de Qi com que trabalhamos na MTC, mas nada garante que sejam os únicos tipos, afinal…

O Qi Que Cultivamos
O QiGong, o Tai Chi e outras artes mistas (marciais e de autoconhecimento) trabalham com o conceito de cultivar a si mesmo. Isso é, treinar a si mesmo para obter a maestria em níveis não só psíquicos, como também esotéricos.
Nesses processos, exercícios físicos direcionados são geralmente a primeira etapa, seguida depois por meditações, visualizações, exercícios de movimentação do Qi e cultivações artísticas e intelectuais.
Assim, feitos incríveis podem ser obtidos pelos praticantes de algumas técnicas, como a capacidade de curar com imposição de mãos, a capacidade de sentir o Qi do ambiente e das pessoas ao redor, a capacidade de fortalecer o próprio corpo como no famoso QiGong da camisa de ferro, além de outras.
Em alguns casos, como no cânone taoista, é dito inclusive que o contato com espíritos e tornar-se aluno dos mesmos é uma parte integrante desse processo, e necessária para o desenvolvimento após certo nível.
É questionável se o Qi usado nessas práticas é algum dos Qi usados na MTC. É questionável até mesmo se os Qi da MTC são todos parte de um sistema integrado ou se as diversas tradições de medicina tradicional ainda precisam de muita pesquisa e desenvolvimento para serem medianamente integradas e entendidas.
Contudo, é fato que o principal método dessas cultivações é por meio do auto-controle refinado e preciso. O controle dos próprios pensamentos, por meio da visualização. O controle das próprias emoções, por meio da meditação. O controle dos próprios movimentos, por meio das práticas marciais e exercícios. E o controle da respiração, por meio da atenção.
Todos esses entram em cena para permitir o controle preciso do Qi, sendo o controle do pensamento, emoção e respiração a tríade mais essencial nesse tipo de cultivo.

E No Fim, O Que é o Qi ?
O Qi é, antes de mais nada, um mistério.
Uma palavra com dez mil significados perdidos na aurora dos tempos, destruídos junto com aqueles que o entenderam da forma como entenderam e eram perseguidos por qualquer que fosse o motivo.
O Qi é, depois, uma ferramenta preciosa.
Seja como uma substância, conceito metafísico, entendimento primitivo de fenômenos naturais ou o que seja, o fato é que, das técnicas que envolvem seu uso e foram preservadas, muitas funcionam e servem para que os seres humanos cultivem a si mesmos e curem suas doenças e dores.
E, por fim, o Qi é um Desafio.
Um desafio a inércia recente do pensamento humano – pois em meio a seus muitos significados, somos obrigados a fazer algo que abandonamos em nosso caminho de relativo progresso até o momento: Buscar as razões pelas quais as coisas funcionam, pois as razões que nos são dadas são insuficientes para resolver nossa curiosidade.
O Qi e os Outros
Em um esforço talvez bem-intencionado a palavra “Qi” tem sido traduzida constantemente como sendo similar em conceito a coisas como o Prana, Orgone, Força Vital, Ectoplasma, Éter Luminoso, Lux Astralis, dentre outros conceitos do tipo. Não é errado dizer, com tamanha variedade de significados, que haja semelhança. Principalmente em seu uso popular.
Afinal, quando um leigo está recebendo uma imposição de mãos, não importa se é reiki ou Qigong. O que ele verá será um terapeuta colocando as mãos sobre ele e lhe explicando que algo invisível, uma espécie de “energia”, sairá dele e o ajudará com sua cura. Contudo, é necessário a qualquer um que se aprofunde minimamente no tema que tais forças sejam devidamente estudadas e diferenciadas.
Há diferenças conceituais, culturais e, principalmente, práticas, no uso dessas forças. Assim, onde aplica-se reiki nem sempre se aplica Qigong. Onde manipula-se o Orgone nem sempre haverá necessidade de rearranjar o fengshui. Onde se faz uma defumação com incensos nem sempre é necessário, ou adequado, que se faça uma limpeza áurica.
Cada técnica possui suas particularidades, e estamos ainda longe do dia em que conheceremos a fundo a influência de cada uma na outra, onde elas se assemelham e onde elas se diferenciam.
Sejamos cuidadosos e não falemos de Qi quando estivermos discutindo Kundalini ou de Prana quando estivermos fazendo florais de Bach.

Mas No Fim das Contas, O Qi Existe ou é Só Misticismo Sem Valor?
Os muitos Qi existem, e, desde muito tempo budistas, taoístas e confucionistas lutam entre si para determinar o que ele é de uma vez por todas. Para os budistas e taoístas, ele é algo transcendental, a verdade por detrás da realidade. Para os confucionistas, ele é uma força que interage com a matéria, um algo que influencia no mundo, mas apenas mais uma parte do mundo.
Talvez o verdadeiro conhecimento esteja em, novamente, reformar as palavras. Afinal, se uma coisa fica clara a esse autor é que a vasta maioria desses filósofos, médicos e religiosos que se debruçaram sobre o tema durante os milênios falava de coisas diferentes usando a mesma palavra – não porquê seu uso era imprescindível, mas porque o imaginário popular dava e ainda dá a essa palavra um poder e um caráter místico genérico tais que usos errôneos da mesma, fossem intencionais ou não, se tornaram numerosos.
Tentemos nosso melhor para evitar repetir esse erro nós mesmos.
3 Comentários
Bacana.
MUITO BOM! Esclareceu demais, melhor texto sobre QI que já li até hoje, estava fazendo uma pesquisa para associar com a Força Vital dos Rosacruzes, encontrei o XIN Qi
obrigado!
Fico feliz de poder ajudar.